Guilherme Pompeu
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Guilherme Pompeu, padre, opulento morador da vila da Parnaíba, era filho do capitão Guilherme Pompeu de Almeida e Maria de Lima. Ali nasceu em 1656.
Diz dele a «Nobiliarquia Paulistana» de seu parente Pedro Taques de Almeida: «foi o mimo de seus pais, como único varão, e com o desejo de o verem bem instruído o mandaram para a Bahia aprender a língua latina nos pátios do colégio dos jesuítas, onde se consumou excelente gramático. Foi dotado de grande viveza de engenho e docilidade, sobre que saía muito um natural respeito, que soube sempre conciliar dos estranhos, patrícios e parentes. Abandonando ficar herdeiro do grande cabedal de seus pais, que intentaram neste filho perpetuar a sua casa, teve vocação de ser religioso franciscano na província da Bahia, onde se achava, o que sendo comunicado a seus pais lhe atalharam com rogativas este religioso intento, e cedeu o filho às súplicas paternais, assentando ser presbítero secular. Estudou filosofia e teologia, da qual teve o grau de doutor por bula pontifícia. Foi tão amante das letras que da grandeza e profusão de seu liberal ânimo tinham segura proteção os sujeitos bem instruídos na historia sacra e profana.
«Teve tão excelente livraria que, por sua morte, encheram os seus livros as estantes do colégio de São Paulo, a quem constituiu herdeiro da maior parte de seus grandes cabedais. Fez assento no sítio de Araçariguama, onde fundou a capela de Nossa Senhora da Conceição, a cujo mistério teve cordial devoção toda adornada de excelente talha, dourada com muita magnificência. Celebrava-se anualmente a festa da Senhora a 8 de dezembro, com um oitavário de festas de missas cantadas, Sacramento exposto, e sermão a vários santos de sua devoção, e se concluía o oitavário com um aniversário pelas almas do purgatório com o ofício de nove lições, missa cantada, e sermão para excitar a devoção dos fiéis ouvintes. De São Paulo concorria a maior parte da nobreza com os religiosos de maior autoridade das comunidades da companhia de Jesus, Carmo, São Bento e São Francisco, e os clérigos de maior graduação.
«Era a casa do doutor Guilherme Pompeu naqueles dias uma populosa vila ou corte pela assistência e concurso dos hóspedes. Para grandeza do tratamento da casa deste herói paulista basta saber-se que fazia paramentar cem camas, cada uma com cortinado próprio, lençóis finos de bretanha guarnecidos de rendas, e com uma bacia de prata debaixo de cada cama, sem pedir nada emprestado. Tinha na entrada de sua fazenda de Araçariguama um pórtico, do qual até as casas mediava um plano de 500 passos, todo murado, cujo terreno servia de pátio à igreja ou capela da Conceição. Neste portão ficavam todos os criados dos hóspedes, que ali apeavam, largando esporas e outros trastes com que vinham a cavalo; e tudo ficava entregue a criados escravos, que para este político ministério os tinha bem disciplinados. Entrava o hóspede, ou fosse um ou muitos em número, e nunca mais nos dias em que se demoravam, ainda que fossem os de uma semana ou de um mês, tinham notícia alguma dos seus escravos, cavalos e trastes. Quando, porém, qualquer dos hóspedes se despedia, ou fosse um, quinze, ou muitos ao mesmo tempo, chegando ao portão, cada um achava o seu cavalo com os mesmos jaezes em que tinha vindo montado, as mesmas esporas, e os seus trastes todos, sem que a multidão da gente produzisse a menos confusão na advertência daqueles criados, que para isto estavam destinados. Os cavalos recolhiam-se às cavalariças, onde tinham tido o bom penso de ervas e milho (que é o que se dá diariamente no Brasil aos cavalos, principalmente na Capital de São« Paulo; e tem feito ver a experiência a utilidade que recebem desse alimento, que os faz mais briosos, alentados e capazes de aturarem, como aturam, jornadas de 200 léguas, sem haver um só dia de descanso). Esta advertência era uma das ações de que os hóspedes se aturdiam por observarem que nunca jamais entre a multidão de várias pessoas, que concorriam a visitar e obsequiar dias e dias o doutor Guilherme Pompeu, se experimentava a menor falta, nem ainda uma só troca de trastes a trastes.
Foi tão profusa a mesa do doutor Guilherme Pompeu, e nela as iguarias de várias viandas se praticavam com tal advertência que, se acabada a mesa, depois dela, passadas algumas horas, chegassem hóspedes, não havia a menor falta para banqueteá-los. Por esta razão estava a ucharia sempre pronta. A abundância do trigo nesta casa foi tanta, que todos os dias cozia-se o pão, de sorte que para o seguinte dia já não servia o que tinha sobrado do antecedente. O vinho era primoroso, de uma grande vinha que com acerto se cultivava, e, suposto o consumo era sem miséria, sempre o vinho sobrava de ano a ano. Engrossou o seu copioso cabedal com a fertilidade das Minas Gerais, para as quais mandando numerosa escravatura debaixo da administração de zelosos feitores, recebia todos os anos avultada remessa de ouro. Soube distribuir este grande cabedal, mandando à corte de Lisboa reformar a prata, que em muitas arrobas herdou de seus pais, e posta em obra mais polida, teve a copa mais primorosa que nenhum outro seu nacional. Os móveis eram todos ricos e de primor. Distribuía considerável soma de dinheiro em esmolas, e sustentava com liberal grandeza os seus correspondentes. Na cúria romana teve excelente aceitação no honroso obséquio de alguns cardeais, pelos quais conseguiu as letras de bispo missionário, que chegaram a tempo que já estava enfermo, de que acabou a vida, servindo-lhe para o tratamento de ilustríssima que na oração fúnebre que se recitou no Colégio dos jesuítas da cidade de São Paulo deu o orador ao cadáver exposto no mausoléu que com funeral pompa lhe erigiu o mesmo colégio agradecido à beneficência com que lhe deixou muita parte dos bens. A escravatura toda, terras de cultura, encapelou a sua capela de Nossa Senhora da Conceição de Araçariguama, e deixou ao colégio de S. Paulo, para lhe aproveitar seus rendimentos, cumprindo-se anualmente com a festa da Senhora em 8 de dezembro.
«Teve o revdmo. doutor Guilherme Pompeu a glória de hospedar por muitos meses a um bispo grego que, das Índias de Espanha, veio ter a São Paulo para na frota do Rio de Janeiro se passar para Lisboa. Depois hospedou ao padre Manoel de Sá, patriarca da Etiópia, que vindo daÍndia à Bahia, passou a São Paulo em 1707, atraído do nome do grande Guilherme Pompeu, a cuja conta correu, por notícias que teve com antecedência da vinda do patriarca, toda a despesa, logo que da Bahia chegou ao Rio de Janeiro, onde o correspondente fez tratar o patriarca com toda a devida grandeza, com a qual embarcou para Santos, de onde passou a São Paulo, já conduzido pelo comboio de 100 índios, que todos carregados tinha mandado Pompeu, para transitar em dois dias de jornada até São Paulo o dito patriarca. Este prelado se confundiu de encontrar nas matas da vila de São Paulo um varão tão bem instruído que lhe não fazia falta a criação das cortes que Pompeu não tinha conseguido.
«Enfim, do revdmo doutor Guilherme Pompeu toda a notícia será sempre diminuta, e duvidosa a expressão, que se tornou verdadeira pela ocular experiência dos que alcançaram tanta magnificência. Só um legado ao colégio (dos jesuítas) de São Paulo, para móveis de sua igreja e de cinco altares, deixou de prata 14 arrobas em castiçais, uns lisos para os dias semanários, e outros lavrados para os dias festivos, e cinco grandes lâmpadas de prata lavrada, além de pratos grandes de dar água às mãos com jarros para o mesmo ministério.
Em 18 de maio de 1697 fez escritura de doação à capela de Nossa Senhora da Conceição, ereta em sua Fazenda de Araçariguama, de dois currais com terras e íitios em Ituguaçu, da mesma Fazenda, três moradas de casas em Parnaiba, toda a prata lavrada e 101 escravos do gentio da terra cuja doação ratificou em seu testamento de 30 de janeiro de 1710 elegando administradores de seus bens os Padres da Companhia de Jesus de São Paulo, aos quais legou também sua livraria.
[editar] Morte e testamento
Fez testamento em 30 de fevereiro de 1710, no qual testamento se lê que era sacerdote, doutor em teologia e titulado Bispo-missionário pela Santa Sé. Diz-se nascido na vila de Parnaíba e estabelecido no sitio de Araçariguama, onde fundara capela de Nossa Senhora Conceição, festejada pomposamente todos os dias 8 de dezembro. Tinha enorme fortuna que deixou fama inolvidável, conseguida pela exploração do ouro em Minas Gerais. Fazia paramentar 100 camas, cada uma com cortinado próprio, lençóis finos de bretanha com rendas, uma bacia de prata debaixo de cada uma, sem nada pedir emprestado. Engrossou seu copioso cabedal com a fertilidade das Minas Gerais, para as quais mandava numerosa escravatura com zelosos feitores, recebendo todos os anos vultosas remessas de ouro.»
«Faleceu em Parnaíba em 7 de janeiro de 1713, e com marcha de sete léguas foi conduzido o cadáver em um caixão coberto de veludo, que carregaram os seus parentes, com o acompanhamento de todo um povo daquela vila, onde ele tinha sido o verdadeiro pai da pobreza, o amparo dos necessitados e o objeto da maior estimação. Por esta comprida estrada vieram tochas acesas acompanhando o cadáver, que veio para o depósito do elevado mausoléu que já no colégio se tinha formado. Estas exéquias se celebraram com pompa funeral pelo agradecimento da grande herança que ele recebeu depois da morte do doutor Pompeu, não contente com a liberal grandeza com que em vida lhe fizera largos donativos. Não quis que a campa de seu sepulcro tivesse mais armas que o breve epitáfio que lhe declarasse o nome. Os padres do colégio de São Paulo mandaram abrir no mármore que lhe servia de campa o seguinte epitáfio: "Hoc jacet in tumulo Guilhelmus presbyter, auro: / Et generé et magno nomine Pompeyus"
Comenta Silva Leme na «Genealogia Paulista» escrita em 1904: «Hoje, já não existem senão vestígios dessa grande fazenda, teatro dessas passadas grandezas; mesmo estes vestígios estão sob império da dúvida porque, perdendo-se a tradição pela decadência do lugar em que estava situada, não se pode chegar à certeza sobre a identidade das ruínas encontradas com a antiga fazenda do revdmo padre Guilherme Pompeu. Tivemos ocasião de conversar sobre o assunto com o velho e virtuoso cônego Jeronimo Pedroso, de saudosa memória, que faleceu em avançada idade em 1900, e por ele fomos informados de que até há poucos anos existia uma vergôntea da antiga vinha do doutor Guilherme Pompeu, encontrada por ele em um lugar, então pertencente à cultura de um pobre lavrador, recomendou-lhe instantemente que tivesse cuidado com essa vergôntea, até que pudesse ser transplantada em ocasião oportuna. Entretanto, qual não foi seu pesar quando, passado algum tempo, indo em busca dessa planta (especial pela produção de ótimo vinho), verificou que já tinha sido vítima da foice do lavrador, acabando o fogo de completar essa obra de destruição. Segundo a opinião do cônego Jeronimo Pedroso, essa fazenda e capela estavam nas fraldas do Vuturuna, identificando-as com a capela de Nossa Senhora da Conceição do Vuturuna; entretanto, aparece dúvida, porque Pedro Taques as colocava em Araçariguama; e nós acreditamos que estavam situadas no mesmo lugar em que existiu mais tarde o Colégio dos Jesuítas em Araçariguama, cujas ruínas ainda hoje atestam a antiga grandeza, estando neste ano de 1904 ainda de pé (prestes a desmoronar-se) a antiga capela.»