Arnaldo de Brescia
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Arnaldo de Brescia (* Brescia, 1105? – † Roma, 1155), também conhecido por Arnoldo de Brescia, ou simplesmente por Arnoldus, Arnaldus ou Ernaldus, foi um reformador da Igreja Católica Romana e líder do movimento que no século XII pretendia ver reduzido o poder temporal do clero e reforçado o poder municipal contra o poder episcopal. Foi excomungado a 15 de Julho de 1148 e perseguido pelas autoridades eclesiásticas, tendo de procurar refúgio em vários estados (Paris, Zurique, Boémia). Regressado a Roma, liderou o movimento popular contra a autoridade temporal do papa na cidade e participou nos acontecimentos que culminaram no estabelecimento da Comuna de Roma. Foi aprisionado pelas forças de Frederico Barbarossa às ordens do papa Adriano IV e enforcado. Teve seguidores por mais de um século, os arnoldistas (ou arnaldistas), defensores da pobreza da Igreja e considerados cismáticos pela ortodoxia católica. A figura de Arnaldo foi redescoberta pelos jansenistas lombardos do século XVIII e assumiu durante as lutas liberais do século XIX papel de destaque como exemplo do livre pensador avant la lettre e renovador da igreja martirizado pela ortodoxia papal.
[editar] Biografia
Arnaldo de Brescia nasceu na cidade lombarda de Brescia, ou no seu termo, em data desconhecida. Fazendo fé numa declaração que lhe dá cerca de 50 anos aquando da sua morte em 1155, é possível datar o seu nascimento por volta do ano de 1105, embora alguns autores apontem o ano de 1090. Desconhece-se o apelido e a sua origem familiar, mas o facto de ter estudado em Paris indica que seriam gente de posses.
Arnaldo abraçou cedo a vida eclesiástica, tomando as ordens menores, aparentemente em Brescia no tempo do bispo Villano (bispo de Brescia de 1116 a 1132). Revelando grande talento oratório e vontade de aprender, foi enviado para a escola do célebre Pedro Abelardo (Pierre Abélard ou Abailard) em Paris, cuja fama de sabedoria atraía então a nata da intelectualidade europeia. Ali terá encontrado muitos dos futuros líderes da Igreja, incluindo Guido di Castello, o futuro papa Celestino II.
Aparentemente acompanhando Abelardo na sua conversão, Arnaldo de Brescia adoptou um estilo de vida frugal em extremo e aceitou os princípios escolásticos. A partir desta fase formativa, tomou como objectivo da sua vida a reforma das instituições eclesiásticas, separando o poder temporal do poder espiritual, iniciando assim uma luta contra a teocracia vigente que o levaria ao cadafalso.
De regresso a Brescia, fez-se monge, mantendo uma grande frugalidade e pobreza: os contemporâneos dizem que ele parecia não comer nem beber e que a sua aparência era de grande piedade e humildade. Estas características contrastavam fortemente com o estado da Igreja, já que a simonia era rampante e os interesses temporais relegavam para plano muito secundário a espiritualidade. A juntar a esta situação, vivia-se um tempo de grande instabilidade política, caracterizado pelo conflito entre os poder imperial, personificado no imperador do Sacro Império Romano-Germânico, e a primazia dos pontífices romanos.
Nas cidades lombardas, que sob a influência do Cardeal-Legatário Arimanno se haviam sublevado contra o poder imperial, os bispos tinham de facto assumido o poder. Em 1132 o papa Inocêncio II deslocou-se a Brescia e depõs do cargo episcopal o cardeal Villano, instalando no poder o coadjutor deste, o bispo Maifredo. Na luta que se segue entre o poder episcopal e o povo da cidade, destaca-se Arnaldo, que com o seu brilhante poder oratório e exemplo de vida, aparece a liderar o movimento popular de contestação ao bispo que entretanto se havia aliado à aristocracia local. Este movimento desemboca numa sublevação nos anos de 1138 e 1139. Neste último ano, com o apoio do papa e da cúria romana, Arnaldo é acusado de herético e cismático e expulso da cidade.
Expulso de Brescia, Arnaldo refugiou-se em Zurique, comprometendo-se a não regressar a Itália sem licença papal, sendo ainda intimado a perpétuo silêncio em matérias doutrinárias. Apesar da proibição, em Zurique continua a sua pregação.
No ano seguinte (1140) parte para França para se encontrar com Pedro Abelardo. Nesse ano acompanhou-o ao Sínodo de Sens, onde Abelardo teve de se defender das acusações de heresia que, entre outros, lhe imputava São Bernardo de Claraval. A participação de Arnaldo nas sessões sinodais fizeram dele o principal defensor das teses de Abelardo, sendo apelidado por São Bernardo como o fiel escudeiro do novo Golias (tal era o ódio que aquele santo nutria contra Abelardo).
Apesar da força das suas teses e do apelo feito à cúria romana, onde tinha diversos ex-discípulos, Abelardo foi condenado. Arnaldo, agora visto com ainda maior desconfiança pela ortodoxia da Igreja, foi também considerado defensor de teses heréticas. Por influência de São Bernardo, por breve do papa Inocêncio II, datado de 15 de Julho de 1140, são ambos condenados a perpétuo silêncio e a serem encerrados, separadamente, em convento seguro. Os seus escritos são mandados queimar.
Enquanto Abelardo se recolhe à protecção da abadia de Cluny e em pouco tempo se reconcilia com o papa, Arnaldo é obrigado a abandonar a França, refugiando-se na diocese de Constança onde recebe o apoio do Cardeal Guido, legado pontifício na Germânia. Dali terá seguido para a Boémia, não sendo conhecido o seu percurso até 1145, ano em que regressou a Itália.
Naquele ano, o papa Eugénio III chama Arnaldo, aparentemente assegurado de que ele se submeteria à autoridade papal. Arnaldo aceita vir a Roma, mas, quando chega, encontra a cidade em estado de sublevação contra a autoridade do pontífice, numa situação muito semelhante à ocorrida na sua Brescia natal em 1138. Tinha sido declarada a Comuna de Roma e um governo de tendência republicana tinha assumido controlo da cidade.
Arnaldo assume a liderança de um grupo radical no seio do movimento popular, que consegue em 1146 expulsar o papa da cidade por este recusar a destruição de Tivoli, conforme exigia o povo de Roma. Arnaldo foi, por isso, excomungado.
Apenas depois da Comuna obter vastas concessões, entre elas a manutenção de um senado e a separação do poder temporal do espiritual, o papa foi autorizado a regressar à cidade (1148). Apesar da excomunhão, Arnaldo mantém a liderança do movimento popular.
O papa Eugénio III morreu no dia 8 de Julho de 1153, sendo eleito a 12 de Julho seguinte o novo Anastácio IV. Durante o curto pontificado deste papa, as relações mantiveram-se tensas, com o povo de Roma a recusar a utoridade papal, parecendo cada vez mais próximo de aceitar a autoridade imperial, já que o Sanado convidou Frederico Barbarossa a entrar na cidade.
Falecido Anastácio IV, a 3 de Dezembro de 1154, foi eleito o inglês Nicholas Breakspeare (da família ancestral de Roberto Ivens), que assumiu o nome de Adriano IV. Perante a recusa de obediência de Roma, o novo papa procurou estabelecer uma aiança com o imperador, prometendo-lhe, em troca da submissão da cidade a investidura e coroação imperial por aquele à muito desejada. Estabelecido contacto com o imperador, Adriano IV colocou um interdito sobre Roma, proibindo os ofícios divinos até à Páscoa seguinte. Cedendo a esta pressão, e perdida a esperança de obter o apoio imperial, o Senado de Roma cedeu, e os líderes da Comuna, entre os quais Arnaldo de Brescia, foram obrigados a fugir da cidade.
Expulso da cidade refugiou-se junto do visconde de Campagnatico, seu apoiante. Contudo esta protecção não foi suficiente face ao poder do imperador, sendo-lhe entregue a instância do papa, que, entre outras, colocava a prisão de Arnaldo como exigência prévia à coroação.
Preso pelas tropas de Frederico Barbarossa, Arnaldo foi entregue ao prefeito de Roma, o qual, por ordem da cúria, ou provavelmente do próprio papa, o mandou executar. Para evitar um provável levantamento popular, ao amanhecer, Arnaldo foi secretamente conduzido à margem do Tibre. Ali, perante o cadafalso, instado a renunciar aos seus erros, Arnaldo reafirmou que as sua crenças eram sãs, pediu uns momentos para rezar, tendo ajoelhado e orado silenciosamente, seguidamente submetendo-se com grande coragem à execução. Foi enforcado e o seu cadáver queimado. Para evitar que pudessem ser transformadas em relíquias, as suas cinzas foram lançadas ao rio.
A execução aconteceu antes de 18 de Junho de 1155, data da coroação imperial de Frederico Barbarossa.
Arnaldo de Brescia é incluido por muitos autores como um dos percursores da Reforma, já que as suas posições quanto à separação dos poderes temporal e espiritual e quanto à pobreza da Igreja são próximas daquelas que foram depois defendidas pelos movimentos protestantes do século XVI.
Considerado um mártir da luta do povo italiano contra o poder temporal do papado, a vida de Arnaldo de Brescia inspirou múltiplos autores italianos do Risorgimento, tendo atingido notoriedade a obra dramática de Giovan Battista Niccolini intitulada Arnaldo da Brescia, Tragédia em cinco actos, que teve ampla representação em Itália. Em Brescia, no Piazzale Arnaldo da Brescia, foi erigido em 1882 um monumento encimado por uma escultura da autoria de Odoardo Tabacchi. A construção do monumento foi precedida por 21 anos de polémica e representou à época um triunfo das forças laicas e anti-papistas agrupadas em torno dos liberais, socialistas e anarquistas lombardos.