Mário Corino de Andrade

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Mário Corino da Costa Andrade (Moura, 10 de Junho 1906 — Porto, 16 de Junho de 2005) médico e investigador,e homem de vasta cultura humanística, é uma das figuras cimeiras da neurologia portuguesa do séc. XX.

Corino de Andrade foi o primeiro cientista a identificar e caracterizar como nova entidade nosológica a paramiloidose ( ou polineuropatia amilóide familiar (PAF)) , uma doença neuro-degenerativa, cuja neuropatologia clínica e bases genéticas investigou em trabalho pioneiro dos anos 50 (e que é hoje conhecida como doença de Andrade ou Corino-Andrade).

Licenciou-se em Medicina e Cirurgia em Lisboa em 1929 depois de estagiar com Egas Moniz (Prémio Nobel de Medicina) e António Flores.

Investiga mais tarde, em colaboração com Paula Coutinho a epidemiologia e genética da doença de Machado-Joseph.

Fundou, ao lado de Nuno Grande, o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS).

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• Notícia no JN.

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Nascido em Moura a 10 de Junho de 1906, poucos então arriscariam que em 1939, volvidos apenas 33 anos sobre o seu nascimento, estaria na pista de uma nova entidade patológica - a polineuropatia amiloidótica familiar (PAF). Depois de concluído o Liceu em Beja, inscreve-se, a 19 de Setembro de 1923, na Universidade de Lisboa, onde após o ano preliminar, frequenta a Faculdade de Medicina - então conhecida como Faculdade do Campo de Santana. Terminada a licenciatura a 13 de Novembro de 1929, Corino, influenciado pelo seu professor de Neurologia, António Flores e após alguns contactos com Egas Moniz e Almeida Lima, aquando do seu estágio no hospital de Santa Marta, começa a interessar-se pela Neurologia. É esse interesse que o leva a especializar-se em Estrasburgo com o Professor Barré, um dos grandes vultos da neurologia mundial na época. Trabalha, estuda e investiga na clínica neurológica de Estrasburgo entre 1931 e 1938, periodo em que tem a oportunidade de conhecer alguns dos maiores vultos mundiais da cena científica e de ser o primeiro especialista não francês a receber o prémio Dejerine para ciências neurológicas, em 1933. Em 1936 numa breve passagem por Berlim, onde trabalha alguns meses com Oskar Vogt, o famoso professor alemão de neurologia e neurocirurgia do Charity Hospital, tem a oportunidade de assistir aos Jogos Olímpicos onde Jesse Owens suplanta a arrogância de Hitler. Em 1938, Corino de Andrade tinha uma escolha a fazer. Podia ficar em Estrasburgo ou em Berlim, podia avançar com o projecto de ir para os EUA, ou para o Brasil. A hipótese dos EUA apontava no sentido de tentar ir trabalhar em Chicago, com Bailey, exercitando a neurocirurgia e o estudo dos tumores cerebrais. Os afectos e o seu extremo sentido de responsabilidade familiar colocam-lhe a necessidade de preparar o regresso a Portugal. Contacta Egas Moniz, por carta, no sentido de arranjar trabalho em Lisboa. O “patriarca” da neurologia lisboeta manifesta “boa vontade”, mas não lhe dá esperança. Ainda em Estrasburgo, Corino admite, por outro lado, a hipótese do Porto, porventura sugerida por Vogt e Barré. O pai fica muito doente e Corino, sem saber se algum dia regressaria, parte imediatamente para Portugal. Aos 32 anos está então de volta a Portugal. Após a morte do seu pai, em Junho de 1938, e com a mãe e irmã a seu cargo, Corino, volta a procurar emprego em Lisboa junto de Egas Moniz, mas o meio é já muito concorrido e os “estrangeirados” como ele não eram bem vistos por alguns senhores das cátedras, ao que Egas Moniz lhe sugere o Porto onde as neurociências, depois do falecimento do Professor Magalhães Lemos, se encontram praticamente vazias. Ainda no Verão desse ano, Corino parte para o Porto, onde após uma primeira passagem pelo Hospital Conde Ferreira e alguns atritos com Almeida Garret, professor de pediatria e director da Faculdade de Medicina do Porto, que achava não haver espaço para a neurologia na sua universidade, oferece os seus préstimos clínicos como voluntário no Hospital Geral de Santo António, estabelecimento pelo qual assina um contrato a 14 de Janeiro de 1939. Ainda nesse ano e nas condições mais precárias começa a funcionar o serviço de neurologia do HGSA (oficializado em 1940, mas ainda sem internamento próprio). É nesse serviço que pouco tempo depois aparece a Corino uma mulher de 37 anos, residente na Póvoa de Varzim. Tinha a “doença dos pezinhos”, assim baptizada pelo povo que bem sabia que o “mal” apanhava os pés e não deixava caminhar. A síndrome neurológica e a história clínica dessa mulher fazem Corino de Andrade pensar, desde logo, numa entidade patológica ainda não descrita. Algo que não lhe parece enquadrar-se nos diagnósticos apontados até então - lepra nervosa e avitaminose, os mais pronunciados, embora alguns ousassem mesmo dizer siringomielia. Havia que analizar pormenorizadamente todos os casos que se apresentassem e foi o que Corino fez. O dr. João Resende, que então estagiava no hospital, torna-se o primeiro e o mais próximo colaborador de Corino. João Resende fala de “deslumbramento” quando assiste ao exame dessa mulher. É Corino de Andrade a fazê-lo e consigo a semiologia é elevada ao expoente máximo da objectividade. Um olhar científico ligado ao método clínico é executado com tal perícia que lhe vale, incontornavelmente, a definição de uma entidade clínica autónoma, a Doença de Andrade. Mas Corino de Andrade tem a grandeza de assumir que “sábios são aqueles que procuram” e até à divulgação mundial da doença, em 1952, muitos passos dá procurando incessantemente a ordem e a desordem de uma doença por classificar, ou mal classificada. Ao mesmo tempo e a pouco e pouco, vai formando uma pequena equipa. Primeiro João Resende, depois, Pereira Guedes, Jorge Campos, António Coimbra e Castro Alves, um conjunto de clínicos apostados na renovação das águas, dando tudo de si. Em 1951, Corino de Andrade revê, numa cela da PIDE da rua do Heroísmo, no Porto, o artigo da sua autoria a publicar na Brain. Havia sido preso na estação de São Bento, acusado de “actividades subversivas” e de ligações ao Partido Comunista na clandestinidade. Acaba por sair em liberdade alguns meses depois, admite- -se que por influência de Bissaya- -Barreto amigo pessoal de Oliveira Salazar, com quem se costumava encontrar no comboio às sextas-feiras, a caminho de Lisboa e que apesar de possuirem ideais distintos, estes nunca foram obstáculo à discussão e ao diálogo. Em Setembro de 1952 e pela primeira vez na íntegra, é editado o célebre artigo - A Peculiar Form of Peripheral Neuropathy (Brain, vol.75: 3, 408) - que lança definitivamente Corino de Andrade para um lugar de topo nas neurociências mundiais. Até à sua reforma do Hospital Geral de Santo António em 1976, Corino de Andrade manteve sempre as suas investigações, fundando o (CEP) - Centro de Estudos de Paramiloidose em 1960, que dirige até 1988, ano em que completa 82 anos.

Corino de Andrade sonhara um sonho grande poucos anos depois de ter chegado ao Porto. Desejava uma escola superior aberta ao futuro científico, estruturada de forma a responder às necessidades e anseios de alunos, de professores e de uma investigação diversificada e ao mesmo tempo integradora dos mais diferentes campos do conhecimento. A universidade portuguesa da época, salvo honrosas excepções, não tolerava (rejeitava até) quem pudesse pôr a inteligência e o trabalho a favor de reformas ousadas e imprescindíveis ao progresso, Corino, tem essa ousadia e em 1944 já defendia a criação no Porto de escolas multidisciplinares e multiprofissionais. A Europa e os EUA seguiram esse caminho depois do Maio de 68, Portugal podia tê-lo feito quase três dácadas antes. O sonho grande de Corino, sonhado também por outras mentalidades determinadas, só começa, porém, a ter pés em 1974, após o então Ministro da Educação, Vitorino Magalhães Godinho, ter exarado o despacho por meio do qual é constituída a comissão de estudo para a criação do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar (ICBAS), no Porto. Em Outubro de 1975, o Secretário de Estado do Ensino Superior, Costa Brotas, empossa a comissão instaladora do ICBAS, constituída pelo Reitor da Universidade do Porto, Ruy Luís Gomes, Corino de Andrade, Neves Real e Nuno Grande - que pertenciam à comissão de estudo - Pereira Guedes - em representação do HGSA - Aloísio Moreira Coelho - da Escola Nacional de Saúde Pública - e João Monjardino, membro do Royal Free Hospital em Londres. O ensino, em especial o das universidades, fechava-se na teoria, agarrado aos imutáveis e pálidos textos das sebentas, numa atitude paralisante e desmoralisadora, pese embora o espírito aberto de alguns docentes ansiosos por mudanças arejadas. O ICBAS, cujo nome homenageia Abel Salazar, amigo intímo de Corino com o qual havia discutido a formação de uma escola nestes parâmetros, veio dar um novo alento a gerações de alunos, professores e investigadores.