Úlcera péptica
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CID-10 | K25-26 |
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CID-9 | 531-534 |
A Úlcera Péptica é uma lesão localizada no estômago ou duodeno com destruição da mucosa da parede destes orgãos, atingindo os vasos sanguineos subjacentes. É causada pela insuficiência dos mecanismos protectores da mucosa contra a acidez gástrica, muitas vezes devido a infecção com a bactéria Helicobacter pylori. Além da dor caracteriza-se pelas hemorragias continuas para dentro do tracto gastrointestinal. A ruptura de uma úlcera, criando uma comunicação anormal entre o tracto gastrointestinal e a cavidade peritoneal é uma emergência médica potencialmente mortal.
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[editar] Epidemiologia e Etiologia
As úlceras gástricas surgem pela primeira vez com uma incidência de cerca de 0,3 casos por cada mil pessoas em cada ano; enquanto as duodenais são mais frequentes (2,9 casos/1000 pessoas/ano). As úlceras pépticas no esófago, jejuno ou íleon são muito mais raras. No total cerca de 10% da população sofrerá de uma úlcera no decorrer da sua vida em algum momento.
A causa do aparecimento das úlceras pépticas é sempre os danos provocados pelo ácido clorídrico e enzimas proteolíticas secretadas no estômago. Normalmente há mecanismos protectores da mucosa como muco, produção local de bases e outras. Contudo se estas barreiras falham os danos surgem na parede do estômago. No duodeno, que recebe o bolo alimentar ácido do estômago, existem outros mecanismos de protecção, como a secreção de bicarbonato, uma substância alcalina, pelo pâncreas. A mucosa do duodeno não é tão resistente como a do estômago, logo se as barreiras forem insuficiêntes as lesões surgem com maior facilidade. Outra causa de surgimento das úlceras é o aumento exagerado da secreção gástrica de ácido.
A úlcera péptica é na maioria dos casos devida à infecção crónica com a bactéria Helicobacter pylori, que inicia e mantêm as lesões. A H. pylori produz enzimas que destroem o muco (mucinases), além da sua multiplicação no estômago causar danos directamente. Nestes casos não há produção excessiva de ácido, e as lesões são devido à falência das protecções devido à bactéria. Muitas vezes há inclusivamente redução da acidez já que a H. pylori produz enzimas que aumentam o pH, de forma a se proteger a si própria. Sabe-se contudo que algumas dietas e o stress são também factores importantes, e alguns casos de úlceras ocorrem na ausência da bactéria devido a produção excessiva de ácido, de origem multifactorial: dieta inadequada, stress, álcool, tabaco, factores genéticos e consumo regular de alguns fármacos como os AINEs são todos factores de risco.
[editar] Progressão e Sintomas
A úlcera péptica é uma disrupção das camadas da parede do estômago ou duodeno, frequentemente com a forma de cratera, em que o tecido conjuntivo e vasos sanguíneos estão expostos devido à destruição da mucosa. A erosão dos capilares sanguíneos pelo ácido leva às hemorragias, que se manifestam nos casos raros em que forem volumosas em fezes negras (melenas) devido ao sangue digerido. A cicatrização da úlcera progride juntamente com o alastramento da lesão, levando à fibrosação inflamatória da lesão.
Nos 2% da população que têm úlceras, é frequente os sintomas se concentrarem ou exacerbarem em determinados períodos do ano mas nos casos avançados não tratados são contínuos. O sintoma mais notável é a dor forte que surge geralmente no epigastro (zona do estômago junto às costelas) e por vezes também do lado direito e nas costas, cerca de duas horas depois de refeição, e desaparece após algum tempo. Outros sintomas frequentes são a náusea, vómitos e saciedade após as refeições- Em alguns casos de úlcera gástrica o alívio da dor poderá vir apenas após vómitos repetidos, devido à estenose do piloro provocada pela fibrosação da inflamação crônica (cicatrizações repetidas geram bandas fibrosas que inibem a passagem do bolo alimentar levam ao vômito).
[editar] Complicações e Prognóstico
- A perda continua de sangue pode levar à anemia, particularmente em mulheres férteis (que já perdem sangue mensalmente na menstruação) e idosos. Em úlceras duodenais da face posterior deste orgão, é possível que a erosão se alastre à artéria gastroduodenal, um vaso de relativamente grande calibre, o que se acontecer leva a hemorragias graves.
- Por vezes o aprofundamento da cratera leva à abertura de uma comunicação com a cavidade peritoneal, formando uma verdadeiro buraco na parede gastrointestinal: estes casos em que há perfuração são emergências devido ao perigo de infecção pelas bactérias do bolo alimentar do peritoneu e depois do sangue, podendo conduzir à peritonite e ao choque séptico letais. Nestes casos de ventre agudo, há sintomas adicionais típicos, como o ventre em madeira (o abdómen local enrigece de forma continua devido à contração muscular causada pelas dores fortes).
- Na úlcera duodenal a fibrosação devido às tentativas repetidas de cicatrização da úlcera entre os ataques pode levar à consituição de bandas fibrosas inflexiveis que reduzam ou tornem rígido o lúmen intestinal, levando à obstrução intestinal.
- O mesmo pode acontecer em úlceras do piloro do estômago: estenose pilórica. Nestes casos há ainda risco de alcalose metabólica devido à perda de ácido continua nos vómitos causados pela retenção do bolo alimentar no estômago muitas horas depois da refeição.
- Em casos de úlceras gástricas crónicas não tratadas pode ocorrer a degeneração em cancro do estômago (carcinoma ulceroso: ocorre em cerca de 2-3% dos casos a longo prazo). A úlcera gástrica provoca uma erosão constante com renovação celular que favorece o aparecimento local de novas mutações genéticas, sendo por isso a principal causa deste tipo de cancro com alta mortalidade. As úlceras duodenais não degeneram em cancro.
O prognóstico de uma úlcera não complicada é bom devido à alta eficiência dos medicamentos utilizados. Um úlcera gástrica não tratada tem de alto risco de degeneração em cancro, e mesmo uma úlcera duodenal pode levar a complicações graves se não tratadas. Há um pequeno número de úlceras que não respondem a qualquer tratamento.
[editar] Diagnóstico
Após reconhecimento dos sintomas típicos na entrevista e exame objectivo, o diagnóstico é sempre feito por endoscopia. A endoscopia permite colher amostras de tecido por biópsia. Em casos de úlcera gástrica é importante recolher e analisar essas amostras devido à possibilidade de existência de um cancro do estômago. Se existir um cancro mas o diagnóstico não for efectuado, a úlcera poderá ser tratada com fármacos mas o cancro continuará silenciosamente. É importante identificar esses casos já que os cancros do estômago de fase inicial derivam de uma úlcera que degenera (sofre mutações neoplásicas) e são por vezes curáveis por operação cirúrgica, enquanto as úlceras benignas curam-se apenas com medicamentos.
Por vezes as úlceras são diagnosticadas em estudos radiográficos com uso de contraste no tubo gastrointestinal. Elas apresentam-se com forma de cratera e bordos por vezes invaginados ou pragueados. A morfologia radiográfica da úlcera gástrica permite por vezes inferir se se trata de uma formação benigna ou maligna, mas a confirmação é sempre por biópsia.
[editar] Classificação
Podemos dividir as úlceras pépticas em "gástricas" e "duodenais". As úlceras duodenais não são relacionadas ao câncer. As úlceras gástricas são subdivididas em três tipos: I, II e III. O tipo I responde por mais da metade dos casos (57%) de úlceras gástricas, aparecem na pequena curvatura do estômago e não estão relacionadas ao excesso de acidez gástrica, e merece mais atenção. O tipo II é encontrada no mesmo local, mas aparece concomitantemente a uma úlcera duodenal em atividade ou cicatrizada. O tipo III refere-se as úlceras que se desenvolvem a até 2 centímetros do piloro (orifício de comunicação entre o estômago e o duodeno). Os tipos II e III devem ser tratados como as úlceras duodenais. Apenas o tipo I merece um tratamento diferenciado, já que têm um potencial maligno aumentado (pode ser um câncer). O médico levará em conta estes tipos para indicar o melhor tratamento.
[editar] Tratamento
Caso exista infecção com o Helicobacter pylori (95% dos casos), é importante administrar antibióticos que destruam esta bactéria. São administrados concomitantemente inibidores da bomba de protões que diminuem a secreção de ácido gástrico. Nos poucos casos que não respondem a este tratamento, deve ser tentada a administração de outros medicamentos como os antihistamínicos ou os análogos das prostaglandinas.
As complicações requerem tratamento cirurgico.