Lusitânia Transformada
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A Lusitânia Transformada apresenta como cenário principal a Natureza, elemento tradicional da novela pastoril e da literatura bucólica em geral. Esse cenário principal corresponde ao locus amoenus próprio da convenção bucólica que permite fugir de um mundo corrupto, de mentira, de egoísmo e de ambição para um mundo puro, de verdade, de altruísmo e de dádiva pessoal. Assiste-se a um desejo de um permanente regresso ao mundo da infância e da inocência que é materializada na presença de três crianças: D. Miguel de Menezes, S. João Baptista e o Menino Jesus. Paralelamente a este cenário principal, encontramos um outro mais secundário e que, reportando ao império português da época, se transforma no palco da novela.
Esta é uma obra profundamente simbólica, através da qual Fernão Álvares do Oriente critica severamente o espírito acentuadamente mercantilista dos portugueses, que se esquecem das graves consequências daí advindas para o país, fazendo lembrar o episódio do "Velho do Restelo" de Os Lusíadas.
Embora a descrição do locus amoenus obedecesse ao modelo literário de Virgílio e Teócrito, Fernão Álvares do Oriente referiu e descreveu na sua obra uma fauna e uma flora típicas das regiões por onde se estendeu o Império, afastando-se assim do cenário topológico da literatura bucólica de tradição greco-romana.
A Lusitânia Transformada é uma novela em prosa e verso, constando de três livros. Cada livro está dividido em "prosas" (os dois primeiros - 12 prosas e o terceiro - 15 prosas). Contém um total de 86 poesias, sendo 81 em metro italiano e 5 em metro peninsular. Em metro italiano, encontramos: 13 canções petrarquistas; 2 canções aliradas; 4 capítulos; 1 elegia; 2 epístolas; 15 poemas em oitava rima; 3 sextinas; 25 sonetos e 17 éclogas. Em metro peninsular: 4 endechas em redondilha maior e 1 em redondilha menor; 2 labirintos (1 em redondilha maior, disposto em 25 quintilhas e outro em oitava rima com oito estrofes); 2 sextinas simples e 1 sextina dupla (não seguindo o modelo de Petrarca e Sannazaro); 36 sonetos, sendo 25 independentes e 11 intercalados em éclogas.
Contando 106 versos, o tema é enunciado nos dois primeiros tercetos, desenvolvido nos 32 seguintes e resumido no último. Enunciado o tema, o autor expõe alternadamente, terceto sim, terceto não, os males da vida da corte e os bens da vida do campo e recorre às antíteses de palavras e conceitos (barroco) para que o contraste fique claro.
Ideologicamente, a obra, enquanto novela de carácter moralista, enforma a "reacção de um poeta a uma série de problemas culturais, políticos, sociais e religiosos que parece ter caracterizado uma das épocas mais tristes e mais trágicas da História de Portugal: a corrupção dos responsáveis pela manutenção do grande império ultramarino português, a catástrofe de Alcácer Quibir, o drama da dominação espanhola e a angústia dos que, como Fernão Álvares, se viram forçados a viver as consequências de tão dolorosos acontecimentos", sentimento bem patente na afirmação: "Tudo está em crise. Em crise está a Nação, em crise está o patriotismo, em crise está a austeridade de princípios, em crise está a poesia, em crise está a religião oficialmente instituída, em crise está a santidade dos costumes, em crise está a sociedade familiar, em crise está o amor entre o homem e a mulher, em crise está a própria vida."
E, para cada uma destas crises, o autor encontra uma solução idealizada: Lusmano protesta contra a dominação estrangeira; D. Miguel de Meneses simboliza o heroísmo que combate a falta de patriotismo; ao espírito de ambição e materialismo opõe o autor a vida frugal e simples dos pastores; à corrupção dos membros da alta hierarquia da Igreja opõe o autor a santidade do sacerdote Ribeiro.