O Mandarim
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[editar] O MANDARIM
INTRODUÇÃO
"O Mandarim” foi escrito em Junho de 1880, em Angers, Argélia. Esta obra literária é compreendida mais como conto do que como novela, pois há uma só personagem central e o enredo concentra-se num só acto. Essa obra também é peculiar pela sua abordagem estatística, distinta dos romances de tese, tão ao gosto da prosa real-naturalista. “O Mandarim” é um desvio em relação à obsessão pela verosimilhança, da busca febril pela veracidade que marca a escola realista e naturalista. Dizer-se-ia que fosse uma prosa fantástica, talvez neo-romântica, mas o fundo fantástico serve de pretexto para uma análise – esta sim, tipicamente realista – da condição humana.
“O Mandarim” é a história de Teodoro, amanuense do Ministério do Reino, vivia uma vida modesta, mas não sofria privações (“A minha existência era equilibrada e suave... Ainda assim, eu não me considerava um ‘paria’. A vida humilde tem suas doçuras”). Porém, considerava sua vida “rotineira e triste”, pois seus sonhos de luxo estavam longe do seu bolso. Até que um dia, depara-se com um jogo: se batesse a campainha à sua frente, um mandarim de riqueza muito vasta na China morreria, e Teodoro herdaria toda a sua fortuna.
Para compelir Teodoro a experimentar a tentação, surge o Diabo, em roupas da época, e persuade-o a fazer o pacto descrito no livro que Teodoro acabara de ler. O jovem tilinta a campainha e, depois de um mês de espera, misturando ansiedade e cepticismo, o bacharel acorda milionário, em letras de câmbio e notas bancárias. Acto contínuo passou a ter uma vida de fausto, adulado pela burguesia, aristocrática e colunas sociais, portuguesas e internacionais. Malgrado isso, Teodoro, com o tempo perde a inocência e fica cada vez mais entediado com o género humano, cansado da hipocrisia e mediocridade burguesa (“Quando o meu intestino se aliviava com estampido – a humanidade sábia – o pelas gazetas”... Eu, no entanto, vivia triste... “).
Mas pior era a visão constante do mandarim morto pelo desejo de Teodoro, estirado de barriga para cima, segurando seu papagaio de papel, evocando a consciência íntima do novo milionário de que ele era um assassino, apesar das circunstâncias singularíssimas. A presença do morto diante de seus olhos evocava ainda a lembrança da suposta família do mandarim Ti Chin-Fu, que abandonou o luxo e passou a viver na miséria. Pensando nisso, com fortes escrúpulos de consciência, e mais que isso, procurando livrar-se do cadáver chinês, Teodoro, por isso, “partiria para Pequim, descobriria a família de Ti Chin-Fu, esposando uma das senhoras, legitimaria, a posse dos seus milhões”.
Assim, o herdeiro do Mandarim parte para a China, viagem essa de tons românticos, com direito a um caso com a esposa do general representante da Rússia, Camilloff, a delicada Vladimira. Entretanto, a sua missão na China foi um fracasso: não encontrou a família de Ti Chin-Fu, nem conseguiu a simpatia do povo chinês, inclusive quase tendo sido morto pela populaça em busca de ouro. Tal má sorte deixou Teodoro deprimido, o que o faz abandonar a sua busca e a sua possível paz. As visões do Mandarim continuaram a aparecer e Teodoro chegou a implorar ao Diabo que devolvesse vida ao Mandarim, mas o demónio não lhe deu crédito, afirmando a validade do pacto.
Desta forma, abandonou a mansão e voltou à pensão de D. Augusta, viúva do Marques. A conversão de Teodoro à pobreza, trouxe para si escárnio e maldizeres, o que o forçou a voltar para sua vida de rico, voltando a todas “aquelas bajulações”, mas infeliz e vazio por dentro (“E agora o mundo parece-me um montão de ruínas onde a minha alma solitária, como um exilado que erra por entre as colunas tombadas, geme, sem descontinuar...”)
E assim continua vivendo Teodoro, até os fins dos seus dias. Quando se sente perto de morrer, faz um testamento no qual doa toda sua herança ao Diabo (pertence-lhe, ele que as reclame e que as reparta...”)
Teodoro: Protagonista do romance, bacharel amanuense do reino, ganhava 20 000 réis por mês e vivia numa casa de hóspedes, na Travessa da Conceição, n.º 106, em Lisboa. Era magro e corcovado. Servil e educado quando era pobre, e entediado e egoísta quando fica rico. É um homem de perfil solitário, seja pelo seu individualismo, seja pela sua triste sina. Levava uma vida pacata e monótona. A sua ambição reduzia-se a desejos fúteis de bons jantares, em restaurantes caros, conhecer viscondessas belas, etc. Considera-se um "positivo". É ateu, mas é supersticioso, pois reza todos os dias à N. Sr.ª das Dores. Enfim, é um representante típico do burguês nacional, medíocre e frustrado de baixos valores morais.
Ti Chin-Fu: o mandarim assassinado por Teodoro. Embora não faça nenhuma acção no conto, nenhuma fala, é de importância fundamental na obra. Representa a vítima perfeita: é distante do seu algoz (ele não conhece Teodoro, bem como vive em uma cultura antípoda à do bacharel) é enormemente rico e sua morte é extremamente vantajosa para o assassino. Malgrado tudo isso, a sua inocência perante o mal gratuito que sofreu, para o qual não contribuiu em nada, trouxe angústia e desencanto a Teodoro, deixou a vida do ex-bacharel em ruínas.
O Diabo: o Diabo veste aqui roupas quotidianas da época descrita, querendo mostrar que o mal, na verdade, está bastante próximo do homem, até se confunde com ele mesmo. O Diabo é feito à imagem e semelhança do homem. O homem e o Diabo identificam-se, até mesmo para que as suas incitações tenham maior força. A obra mostra que o poder do Diabo só funciona em combinação com o lado negro do homem.
Vladimira (generala): mulher do general Camilloff, e amante de Teodoro por um breve período. Alta, magra, delicada, é uma representação de um tema caro ao realismo: o adultério, como forma de revelar ao leitor a hipocrisia e a traição humana.
General Camilloff: é representante do Império na China. Durante a ida de Teodoro à China, tornaram-se amigos. A sua lealdade para Teodoro era sincera, e até mesmo Teodoro via nele um homem de bem, embora não pudesse evitar traí-lo com um triângulo amoroso com a esposa do General, Vladimira. Representa aqui mais um falhanço moral de Teodoro ao ir para a China.
Sá-Tó: intérprete de Teodoro durante a viagem na China.
Dona Augusta: a dona da pensão onde Teodoro morava antes de enriquecer. Era considerada uma anjo de pessoa, de forte instinto maternal, viúva do major Marques. Em dias de missa costumava limpar com clara de ovo a caspa do tenente Couceiro. Com o prolongar da trama se torna rancorosa e interesseira. É uma mostra sobre como o poder do dinheiro e da sociedade voltada ao luxo corrompe até mesmo pessoas do bem. Couceiro: “grande tocador de viola-francesa”. Um dos hóspedes de D. Augusta. Cabritinha: outro pensionista, “esguio e amarelo como uma tocha de enterro”. Empregado na Administração do bairro Central. Veriskof: representante alemão na China, culto e gordo, era o companheiro intelectual de Teodoro na China.
CARACTERÍSTICAS DO REALISMO NA OBRA:
O lado psicologista: Eça de Queiroz, é um exímio observador da alma humana. Grande parte da narrativa parte das reacções de Teodoro, os seus pensamentos (“Desde então uma sociedade enervante mantém-me semanas num sofá, mudo e soturno, pensando na felicidade do não-ser”... “E eu atribui-me estas desgraças da sociedade chinesa! No meu espírito doente Ti Chin-Fu tomava então o valor de um César, de um Moisés, um desses seres providenciais que são a força de uma raça”). As histórias são menos fantásticas e mais densas, procurando desvendar os motivos últimos que actuam sobre os personagens. O decorrer da trama é mais interno que externo; do ponto de vista dos personagens.
Descrição: característica realista e principalmente de Eça de Queiroz. A descrição, seja das características físicas dos personagens e do cenário por onde passa a história servem para analisar a psicologia dos actores da ficção. Eça entende que a maneira de ser e de pensar influi no mundo que a cerca, seja nos actos, nas coisas e nas próprias características físicas, como por exemplo, o corcovo de Teodoro, na sua condição de subalterno sem status.