Sete Cidades (lenda)
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A existência de uma lendária ilha das Sete Cidades, situada algures no Mar Oceano a ocidente da Europa, inspirou durante muitos séculos a exploração marítima.
As referências na nomenclatura geográfica à existência da Insula Septem Civitatum, que significaria Ilha das Sete Tribos ou Ilha dos Sete Povos, mas acabou fixada nas línguas modernas em Ilha das Sete Cidades, datam das fontes clássicas latinas, provavelmente incorporando tradições mais antigas dos povos mediterrâneos, nomeadamente dos maiores navegadores da antiguidade europeia, os fenícios. No latim, civitas não significa apenas cidade, mas a colectividade dos cidadãos de determinada comunidade.
O primeiro documento ibérico referente às Sete Cidades é uma crónica em latim da cidade de Porto Cale (a moderna cidade do Porto), aparentemente escrita, cerca de 750 AD, por um clérigo cristão. Nessa época, o reino ibérico dos Visigodos já tinha colapsado sob a pressão da invasão muçulmana (iniciada em 771 AD) que avançara inexoravelmente até ao norte peninsular. O arcebispo de Porto-Cale, querendo esquivar-se à dominação muçulmana, deliberou partir para a grande terra das Sete Cidades (Sete Civitates) que os marítimos lhe asseguravam existia no meio do oceano ocidental. No ano de 734, o arcebispo, acompanhado por outros prelados, aos quais se juntaram cinco milhares de fiéis, embarcou-se numa frota de 20 veleiros.
Apesar da crónica narrar que a frota chegou sã e salva ao seu destino, e que muita gente se preparava para a seguir, na verdade o rasto do bom arcebispo, se alguma vez ele existiu, perdeu-se totalmente na noite dos tempos...
Apesar da inexistência de contactos comprovados com a ilha das Sete Cidades, a crença na sua existência deu origem a uma das lendas mais divulgadas da Idade Média europeia, existindo múltiplos relatos de avistamentos fortuitos e de expedições organizadas para o seu achamento. Quase todas as cartas e portulanos medievais onde se representava o Mar Oceano, o actual Atlântico, a apresentam, embora com posições e formas variadas. A par da ilha do Brasil e da Antília, no contexto da tradição brendaniana, a Ilha das Sete Cidades é uma das referências geográficas mais persistentes da proto-geografia atlântica.
Com o advento da idade dos Descobrimentos, os relatos de avistamentos e as tentativas de posse da ilha multiplicam-se. Um dos casos mais consistentes foi a carta apresentada em 1473 ao rei D. Afonso V de Portugal pelo açoriano Fernão Teles. Do roteiro que então mostrou constava uma longa costa, com várias ilhas, baías e rios, que ele declarava serem parte das Sete Cidades. Embora se acredite que pudesse ser a costa do Norte do Brasil, entre o Maranhão e o Ceará, com o delta do rio Parnaíba, apenas se pode afirmar com certeza que aquele território se situaria na margem ocidental do Atlântico.
Aparentemente o rei não terá acreditado totalmente na descoberta, ou não considerou Fernão Teles suficientemente digno, pelo que da carta de doação concedida não consta referência às Sete Cidades mas apenas a uma grande ilha ocidental que se pretenderia povoar.
Insatisfeito com a carta de doação, Fernão Teles insiste no pedido das Sete Cidades. Consultado o cosmógrafo genovês Paolo del Pozzo Toscanelli (1398-1492), que declarou que a Antília e a Ilha das Sete Cidades seriam naquela margem do Atlântico, finalmente em 1476 a carta solicitada foi concedida, mas não se conhece a existência de qualquer expedição subsequente por parte daquele donatário.
Contudo, entre as expedições melhor documentadas conta-se aquela que o flamengo Ferdinand van Olm (conhecido na historiografia açoriana por Fernando de Ulmo ou Fernão Dulmo) capitaneou. Aquele aventureiro flamengo, em tempos residente nos Açores e ali casado com uma filha de Fernão Teles, recebeu em 1486 autorização do rei D. João II de Portugal para achar o paradeiro da ilha onde estaria localizado o reino cristão perdido das Sete Cidades, o mesmo que o seu sogro teria reconhecido anos antes. De parceria com Afonso do Estreito, um madeirense, organizou uma expedição, com co-financiamento real, destinada à conquista das ilhas e terras firmes das Sete Cidades.
Infelizmente Fernão Dulmo não teve melhor sorte que os seus antecessores, mas, ainda assim, já em pleno século XVII, organizou-se na Terceira uma expedição para explorar o oceano a noroeste do arquipélago, onde teria sido avistada uma ilha desconhecida.
Nos Açores sobrevive até aos nossos dias a lenda da ilha encantada que apenas pode ser avistada por volta do dia de São João (24 de Junho), sendo naquele período frequente o avistamento de ilhas desconhecidas a pontuar o horizonte insular, na realidade bancos de nevoeiro (os temidos nevoeiros do São João que levam ao encerramento dos aeroportos por dias seguidos) e nuvens distantes a emergir do horizonte.
Sobre a Ilha das Sete Cidades, parafraseando a observação aposta no mapa-múndi de Johannes Ruysch (1508) sobre a Antília, bem se pode ainda dizer: esta ilha foi descoberta, antigamente, pelos portugueses; agora, quando a procuramos não a encontramos. Como consolação ficou-nos o nome do maior vulcão do Atlântico, o vulcão das Sete Cidades, na metade ocidental da ilha de São Miguel, Açores, com as suas lagoas e a freguesia das Sete Cidades anichadas no interior da caldeira; o lugar das Sete Cidades na ilha do Pico, Açores; o Parque Nacional de Sete Cidades, no sertão do Piauí, Brasil; e múltiplas lendas e histórias em permanente recriação.