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Turma da Colina

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

A Turma da Colina foi o nome dado a um grupo de bandas de punk rock brasilienses, entre o final da década de 70 e o começo da década de 80, que reuniam-se no bairro da Colina, em Brasília. Bandas como o Aborto Elétrico e a Plebe Rude formavam a Turma da Colina.


[editar] A HISTÓRIA DA TURMA DE BRASÍLIA

Se a Brasília do final dos anos 70, começo dos 80, tivesse de ser definida em uma só palavra, a mais adequada seria "tédio". Principalmente para os jovens, ainda em plena ditadura militar, a cidade construída no meio do árido Planalto Central oferecia poucas, muito poucas mesmo, opções de entretenimento. A solução para a rapaziada se divertir era formar grupos, fazer festas, ou seja, aglutinar pessoas. E Renato, a princípio um cara estranho, que andava de camisa social, capa preta e com um guarda-chuva na mão, era o aglutinador. Como ele costumava dizer, gostava de "tchurmas". "Desde pequeno eu era ligado em filmes de tchurmas e, ai, armei uma. Eu era muito pentelho, juntava as pessoas, era uma espécie de catalisador... Insistia muito nisso", disse o cantor, em entrevista à BIZZ, em maio de 1989. Mas não pense que o poeta era um simples agitador cultural ou coisa parecida... Renato e a turma eram punks. Muito influenciados pelo lado filosófico-político do termo, que naquela época bagunçava o tradicional coreto britânico, eles se reuniam diariamente. Ico (irmão de Dinho Ouro-Preto), guitarrista da fase final do Aborto Elétrico e integrante da turma, atualmente fotógrafo de moda, há oito anos baseado em Paris, lembra dessa fase. "Éramos 25 ou 30 pessoas mais ou menos da mesma idade e de meios muito diferentes. Como eu, alguns eram filhos de diplomatas, que tinham acesso a discos e livros lançados lá fora. Isso era muito raro naquela época. Então nos reuníamos para tocar violão, ouvir discos do Clash, do Sham 69 e, principalmente, conversar. Ah, sim, penetrávamos em bando nas festinhas caretas também." Desse grupo, que chegou a ser chamado de Movimento Punk de Brasília participavam, além de Renato, e Dinho Ouro-Preto, Fé Lemos e seu irmão Flávio, ambos ex-Aborto Elétrico e hoje Capital Inicial; Dado Villa-Lobos, na época guitarrista do grupo Dado & O Reino Animal; Marcelo Bonfá; Loro Jones, atualmente também ex-Capital; Paraná (o primeiro guitarrista do Legião); Bi Ribeiro, baixista do Paralamas do Sucesso; e muitas jovens. "As meninas eram ótimas... Eu adorava todas elas. Tinha a Carla, a Ana, a Cris, a Helena... Éramos todos amigos. Rolavam coisas naturais e banais de adolescentes que descobriam as drogas e o sexo naquele momento", lembra Dado Villa-Lobos. Paraná também sente saudade daquela época. "Naquele tempo, o sujeito ou era hippie ou era playboy. Nós quebramos essa regra. A maioria andava desleixada, usava calças rasgadas... Me lembro que o Bi tinha um cabelo enorme, parecia um tufo de algodão com uns 30 centímetros de altura. Queríamos chocar e chocamos. Nesse momento começamos a virar lenda em Brasília." Passada a fase do guarda-chuva e da capa preta, Renato começou a se furar (colocava rebites metálicos no rosto) e freqüentemente adotava o visual punk mais tradicional. Em entrevista publicada na Bizz em maio de 1989, Renato conta que copiava os modelos de um livro "cor-de-rosa que falava dos primeiros punks" e que colocava grampos na boca, se furava de verdade. "Nossa, ele ficava uma feiúra... Pintava o cabelo com três cores diferentes, rasgava a roupa toda e botava alfinetes de fralda. Também usava um pé de tênis vermelho, outro azul...", descreve hoje sua mãe, dona Maria do Carmo. "Eu não gostava daquela coisa, reclamava com o Júnior, mas ele ria e falava: ‘Isso é punk, mãe! É punk!!!" Ela lembra ainda de uma ocasião em que Renato foi vestido desse jeito a uma apresentação nobre do bailarino Mikhaíl Barishnikov. "Era um espetáculo em que estavam muitos nomes importantes do cenário político de Brasília, inclusive militares. Naquele dia, pensei que ele fosse ser preso... Antes mesmo de ver o balé que ele adorava e queria provocar.”

Resumindo a ópera:

Falando inglês o tempo todo, Renato se passou por alguém de alguma embaixada, conseguiu lugar na primeira fila, foi ao camarim ao fim da apresentação e ainda ficou amigo do bailarino. "Ele chegou em casa às duas da madrugada e logo foi me acordar para contar a história e dizer que Barishnikov fazia questão de que ele estivesse presente nas outras duas performances que faria no Rio e em São Paulo", diz a mãe. Renato acabou nem seguindo o astro, mas mostrou o tamanho de seu carisma. Durante as reuniões da "tchurma", além de ouvir discos de punk rock, conversava-se muito. Noites inteiras só de papo. E era nessas conversas que Renato se destacava. Com habilidade para usar as palavras, ele chamava a atenção do grupo. "O Renato começava a falar e num determinado momento estava todo mundo sentado no chão ouvindo. Era impressionante", lembra Paraná. "Ele tinha uma personalidade fortíssima. As vezes chegava até a ter alguns problemas com o pessoal, principalmente com o Fé, que também não era fácil. Mas o discurso do Renato sempre acabava prevalecendo", diz Ico. Renato tinha também um talento musical fora do comum, reconhecido e aplaudido pela turma. Naquela época, mais ou menos 1982, depois do sucesso local do Aborto Elétrico, a primeira banda punk de Brasília, formada inicialmente por Renato (baixo e voz), Fé Lemos (bateria) e André Pretorius (guitarra), o grupo de moleques já se dividia em várias bandas de rock: Legião Urbana, Capital Inicial, Blitx 64, XXX, Plebe Rude, entre outras. Esses grupos interagiam entre si e Renato era visto como o garoto-prodígio do pedaço. Logo após o fim do Aborto, ele fez algumas apresentações solo, só com voz e violão, o estilo folk-urbano, que depois o consagraria, nascia ali. "A maioria das músicas eram concebidas no violão”, conta Ico, que teve uma breve passagem pela Legião, entre a saída de Paraná e a entrada de Dado. "Passamos uma fase tocando violão na minha casa e depois ensaiando na casa do Renato. Ele freqüentemente chegava com as músicas prontas de cabo a rabo. A gente só mexia nos arranjos, dava um palpite aqui outro ali...", completa Ico. "O Renato normalmente mostrava uma capacidade incrível para compor, nos surpreendia com lances absolutamente geniais", conta Paraná. Desde sempre Renato foi um compositor brilhante. "Dado, Viciado" (incluída recentemente no último CD da Legião, Uma Outra estação), "Química", "A Dança", "Faroeste Caboclo", "Conexão Amazônica" e “Eduardo E Mônica” eram algumas músicas do seu repertório daquela fase. “Quando inscrevemos ‘Química’ num festival promovido por um colégio, a música não passou nem na primeira triagem. Imagino que os diretores da escola tenham achado a letra um pouco ofensiva...", ri Paraná. Outra curiosidade da época era a (con)fusão entre "Faroeste Caboclo" e "Fátima" do Capital Inicial."Renato cantava ‘Faroeste’ com a letra de ‘Fátima’ e o capital fazia o inverso. Dá pra imaginar? Depois as contas foram acertadas", conta Ico. Embora tivesse talento e a admiração de todos que o cercavam, Renato era um cara depressivo. "Eu só fui feliz na infância", disse ele à mãe momentos antes de morrer. Um dos motivos disso era que Renato se achava o feio no meio de um grupo formado, na sua maioria, por jovens bonitos. Franzino e meio desengonçado, ele não aceitava sua aparência. "Era uma situação bem difícil. Todo mundo gostava dele, mas ele tinha esse complexo. Se achava o patinho feio da turma", revela Jacó. E soltava sua insatisfação toda vez que bebia. "Ele era meio temperamental... Mas isso aumentava muito quando tomava umas e outras nas festas... Aí, qualquer coisinha o irritava", lembra Paraná. Por várias vezes, Renato saiu mais cedo das tais festinhas e voltou sozinho e a pé para casa. Andava quilômetros e quilômetros nas místicas madrugadas do Planalto Central. Sabe-se lá o que se passava pela cabeça dele. Provavelmente, entre outros assuntos, Renato já se atormentava com questões relativas à sua sexualidade, questão que só resolveu mesmo quase dez anos depois, em 1990, quando foi "sair do armário" nos EUA. "Eu precisava me assumir há muito tempo... Mas fica aquela coisa, filho de católico, ‘você é doente’ etc., etc. No meio do caminho já estava pensando: ‘Pô, eu sou um cara legal, eu não posso ser doente..’ Eu sou assim desde que eu me lembro, desde os 3, 4 anos. Eu sempre gostei de meninos...", disse em entrevista a Bizz. Embora a turma fosse composta por várias meninas, Renato não teve envolvimento público com nenhuma delas. A garota com quem tinha mais contato era uma descendente de chineses chamada Suzy. "Ele só conversava em inglês com ela. Eram muito amigos", lembra dona Maria do Carmo. Apesar de não ter namorada, ninguém da turma desconfiava que Renato tivesse tendências homossexuais. "Não víamos Renato paquerar, nem falar de garotas. Mas nunca cogitamos que ele fosse gay", diz Paraná. A primeira vez que ele deu sinal de que gostava de meninos foi quando, depois de ter bebido, agarrou um sujeito numa festa. Quem lembra dessa história é Ico. "Estávamos num grupo grande...Eu, André(Muller), Dinho, Dado... Tínhamos ido a uma festa num lugar longíssimo, mesmo para os padrões de grandes distâncias de Brasília. Lá pelas tantas, o Renato, já meio bêbado, agarrou um cara, ele não gostou e foi a maior confusão. Rolou uma briga, um empurra-empurra... Todo mundo ficou muito surpreso... Ninguém suspeitava da homossexualidade dele e não havia motivo para ele nos esconder uma coisa dessa. Nós tínhamos contato com outros gays e era um relacionamento normal quer dizer não existia preconceito." Naquela noite, mais uma vez, Renato voltou para casa a pé, sozinho. Meses depois, ele próprio faria uma insinuação sobre o episódio num texto a respeito da Legião, que você lê na íntegra nesta edição. Num PS de uma biografia da Legião, ele joga neblina: "Com a saída de Ico, após incidentes curiosos que, um dia talvez, serão revelados aos verdadeiros fãs da banda..." Hoje, quinze anos depois do tal "incidente curioso", Ico revela a história. "Aquela briga da festa realmente foi a gota d’água no relacionamento complicado que Renatoe eu vínhamos tendo naquele período. Eu estava confuso e já achava que tinha mais talento como fotógrafo do que como músico. Comprei uma passagem para Madri e fui embora. Só meses mais tarde é que Ico e Renato voltaram a se falar e começaram a trocar correspondência. Muitas cartas, cujo tema principal era astrologia. Renato era fascinado pelo assunto. "Sempre fomos muito ligados nisso. Passávamos horas falando a respeito", conta Ico. Paraná lembra de um episódio interessante. "Uma vez estávamos ensaiando, uma mulher veio reclamar do barulho, nos deu o maior esporro e foi embora. Aí, o Renato foi atrás dela: ‘Espera, espera... Qual é o seu signo? Volta aqui, eu senti um astral interessante em você...’" Embora Ico e Renato tivessem o interesse pela astrologia em comum, o principal motivo de terem restabelecido o contato foi outro: Ico conheceu o maior ídolo de Renatonos anos 80. "Ele ficou maravilhado quando soube que eu tinha feito uma sessão de fotos com o Morrissey", lembra o fotógrafo. "Me ligou querendo saber todos os detalhes", conclui. Depois que os Paralamas do Sucesso foram tocar na antiga capital (o Rio) e aconteceram com "Vital e Sua Moto", a Legião, já com Dado, pegou a mesma estrada e também saiu de Brasília. O sucesso não demorou a vir e então, sutilmente, foi acontecendo a metamorfose de Renato . "No começo, nós tínhamos uma banda cujo objetivo principal era tocar ao vivo. Aí, pintou gravadora, um monte de compromissos, as coisas mudaram muito e a gente ficou em função do trabalho. O espírito inicial se perdeu. É inevitável, as pessoas acabam mudando muito com a fama...", atesta Dado Villa-Lobos. Renato, aquele garoto que seguia a fio a doutrina punk pregada pelos Sex Pistols, passou a ver as suas frases de efeito repercutirem, viu também seus amigos saírem de Brasília, fazer sucesso com suas bandas e constatou à distância que a "tchurma" que tanto fez para aglutinar, enfim, havia se dissolvido. O Planalto Central se transformou numa grande garagem onde se via uma banda em cada esquina e a minoria virou maioria. Mesmo de longe, a lenda de Renatoera uma espécie de exemplo para toda aquela geração de novas bandas. Hoje, um ano após a sua morte e muitos anos desde que deixou Brasília, a "tchurma" já é história e muitos de seus integrantes assumiram empregos normais, como é o caso de André Muller, ex-baixista da Plebe Rude, atualmente trabalhando para o Banco Central. Fica a lembrança. "Sinto saudade por ter sido uma época mais livre em que acreditávamos em grandes ideais. Éramos só uns garotos que tinham algo em comum. E o Renato foi o cara que proporcionou tudo isso", agradece Dado Villa-Lobos.

Texto cedido por Gabriela Camargos Sales


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