Palácio do Correio-Mor
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O Palácio do Correio-Mor situa-se em Loures (freguesia)
SOBRE o interessante Palácio do Correio-Mor em Loures é escassíssima a bibliografia. Gabriel Pereira (Pelos Subúrbios e Vizinhanças de Lisboa, Lisboa, 1910), Godofredo Ferreira (Dos Correios-Mores do Reino aos Administradores Gerais dos Correios e Telégrafos, 3.a edição, Lisboa, 1963) e Carlos de Azevedo (Solares Portugueses, Lisboa, 1971) dão algumas indicações, mas muito sucintas. Quanto a manuscritos sobre o palácio, plantas, contas de obras, contratos com artistas, etc., nada existe publicado, nem indicado e, após inÚmeras pesquisas, não conseguimos ainda encontrar documentos destetipo, essenciais para se fazer a monografia de um edifício; o problema é agravado por o palácio ter pertencido a particulares, cujo arquivo ardeu aquando do terramoto de 1755 e por, arruinados em 1875, terem os descendentes dos Correios-Mores disperso o recheio das suas casas, vendendo em leilão o palácio de Loures. As numerosas pessoas da família agora contactadas, não possuem quaisquer documentos e o mesmo acontece com familiares dos compradores do palácio em 1875, que só conservam alguns referentes a posse de terras. Conseguimos, no entanto, descobrir, em arquivos oficiais, manuscritos que nos dão preciosos elementos, como a valorização do imóvel, que demonstra um progresso nas obras, descrição do edifício no final do séc. XVIII, etc. Contudo, os elementos de estudo são muito reduzidos e, para além destes, não podemo3 ultrapassar o campo das hipóteses.
Para compreendermos melhor esta casa de campo palaciana barroca é também muito importante procurarmos saber quem era a família dos proprietários, esses riquíssimas Gomes da Mata, Correios-Mores. Como escreve Pierre Charpentrat ('L' Architecture baroque et ses usagers', in Critique - Revue Générale des Publications Françaises et Etrangeres, tome XXVIII, no. 306, Paris, Novembre 1972), é grande a importância da clientela na arquitectura da época: 'Se for necessário distinguir uma "arquitectura barroca" das outras arquitecturas... não é por preferir a curva à linha recta, a fantasia ao rigor, a variedade à continuidade, mas porque, melhor do que qualquer outra, permite a construção ser orientada pelas exigências do utente.'
Dada a finalidade deste trabalho, servir de guia a visitantes do Palácio de Loures, pensamos ser essencial dar-lhe um carácter prático, iniciando-o por uma descrição do edifício e juntando-lhe uma segunda parte relativa à origem e evolução da família dos Correios-Mores, procurando relacioná-la com a «vida» do seu solar, fazendo referências a outras casas de campo dos arredores de Lisboa.
Várias foram as pessoas que muito amavelmente deram indicações, elementos, para o nosso trabalho e a todas estamos muito gratos. Devemos no entanto destacar o Prof. Dr. Pais da Silva e o Prof. Doutor José Augusto França; o Eng. Santos Simões que, por ter morrido repentinamente, não pôde completar os preciosos dados sobre azulejos; Godofredo Ferreira, investigador da história do serviço dos Correios em Portugal; o pintor Ayres de Carvalho; o genealogista Luís de Bívar Guerra, que nos facultou documentos do seu arquivo pessoal e, no campo da heráldica, o Sr. Marquês de Abrantes.
O PALÁCIO. BREVE VISITA
Em Loures, a escassos quilómetros de Lisboa, ergue-se o palácio setecentista do Correio-Mor, antiga casa de campo dos Matas, que foram Correios-Mores do Reino. Num desvio da estrada, fronteiro à igreja-matriz da vila, após 600 metros de um caminho ladeado de oliveiras, depara-se-nos este edifício que, como casa de campo dos arredores da capital, sobressai na sua grandiosidade. O palácio do faustoso Patriarca D. Tomás de Almeida, construído escassos anos antes, próximo, em Santo Antão do Tojal, é bem estruturado, mais equilibrado, mas menor. O belo palácio seiscentista dos Marqueses de Fronteira, em Benfica, acrescentado no séc. XVIII, tem diferente escala. Como casa de campo de um particular, pode-se, sim, comparar à dos Correios-Mores, o palácio de Oeiras, mandado edificar pelo Marquês de Pombal (1699-1782), famoso ministro do rei D. José. As primeiras casas no local do palácio de Loures devem datar, pelo menos, do séc. XVI, mas o engrandecimento desse núcleo, a principal campanha de obras, empreendida pelo Correio- Mor José António da Mata de Sousa Coutinho (1718-1790), ter-se-áarrastado durante cerca de cinquenta anos, pelos meados e segunda metade do séc. XVIII, abrangendo os reinados de D. João V, D. José e D. Marra 1. Nos 2.° e 3.° quartéis do séc. XIX, os Condes e Marqueses de Penafiel fizeram alguns melhoramentos e, actualmente, procede-se a acabamentos em profunda obra de restauro.
A arquitectura civil setecentista portuguesa é, de modo geral, mais simples, de menor escala, do que exemplares contemporâneos de, por exemplo, França, Itália, Inglaterra. «Portugal do séc. XVIII não possuía recursos que permitissem à sua aristocracia construir casas da magnitude de Blenheim ou Wentworth Woodhouse, Syon House ou as muitas outras que fazem (ou fizeram) da Grã-Bretanha um país tão rico em arquitectura doméstica dese tipo. Contudo, mesmo o viajante apressado verifica que Portugal possui grande número de pequenas e deliciosas casas solarengas, além de uma que constitui um magnífico exemplar - o solar de Mateus, perto de Vila Real, na região norte.» (1) A grande casa do Correio-Mar em Loures, no centro, é, com o Solar de Mateus, uma das mais importantes do País.
Vejamos o que escrevê, a propósito, o autor anónimo de Voyage en Portugal en 1796: «Todos os grandes senhores têm palácios. Julgar-se-ia, por isso, encontrar em Lisboa muitos destes edifícios... Mas as construções pomposamente designadas por palácios são casas muito simples, de aparência medíocre, sem regularidade, sem elegância, nem ornatos, apenas dignas de ser habitadas por um particular medianamente rico. Os brasões dos proprietários são o único elemento distintivo, o único enfeite que se vislumbra.» (2) O exagero desta afirmação é verificado, por exemplo, pelo palácio em análise, com certo mérito arquitectónico - a planta é regular, em U, a entrada e escadaria amplas e bem traçadas; mas, aqui, ainda interessam talvez mais os elementos decorativos e a sua integração na arquitectura - em primeiro lugar os azulejos, depois os estuques e as pinturas.
Sobre os azulejos deste palácio, afirmou o eminente especialista Santos Simões (3) que eles constituem um dos mais vastos repositórios de azulejaria portuguesa do séc. XVIII, instalados em edifício civil. Sendo o azulejo, no dizer deste erudito, «adjectivo específico da arquitectura nacional» (4) e, segundo Reynaldo dos Santos, «um dos mais originais aspectos das artes decorativas em Portugal» (5), é altamente importante a colecção azulejar do palácio de Loures, cuja datação se estende por quase todo o séc. XVIII, tendo ainda aparecido um pequeno grupo de fins do séc. XVI ou princípios da centÚria seguinte.
Os tectos de quatro salas no andar nobre - Salas da Fama, MÚsica, Troféus e Estações - apresentam uma esplêndida decoração em estuques «rocaille», datáveis do reinado de D. José e dos melhores exemplares do género em edifício civil português.
A Sala da Fama tem no tecto, guarnecidos pelo estuque, curiosos medalhões com pinturas. Pintura de escola portuguesa setecentista existe, embelezando aqui umas sobreportas, ali um tecto. Mas; as pinturas mais notáveis, encontram-se no tecto da Sala de Caça: as telas, agradavelmente coloridas, emolduradas em talha, fazem um belíssimo conjunto com o silhar de azulejos azuis e brancos.
Um portão de cantaria, encimado pelas armas dos Matas, dá acesso ao amplo pátio que, enquadrado pelas três alas da planta em U do edifício, era fechado por alto muro, agora substituído por gradeamento.
O palácio, como raras casas de campo, tem rés-da-chão, piso intermédio e andar nobre, numa altura igualável à da casa mais antiga, que constitui, aproximadamente, a ala sul. A atenção é atraída para a fachada principal, onde dois arcos, separados por uma fonte, permitem a entrada e saída de carruagens (ou de automóveis) no vestíbulo, deixando os passageiros na base da escadaria. Sobre os arcos corre uma varanda com grade de ferro forjado, donde se debruçam, para o pátio, as três janelas de sacada da sala central. A janela do meio, a maior, é destacada pelo recorte da verga e pelo alteamento da cornija. Sobre a cornija, coroando forçadamente este equilibrado conjunto, um frontão contém num nicho a imagem de Nossa Senhora da Oliveira. O resto das fachadas é bastante unitário - pilastras destacam, nas alas laterais, portas de acesso aos pisos superiores e, no andar nobre, janelas de sacada são encimadas por áticas triangulares e quatro, tirando a monotonia, por áticas curvilíneas. O piso intermédio continua a destinar-se a dependências de serviço e quartos. No rés-do-chão, como era habitual, guardavam-se alfaias agrícolas, existem ainda cavalariças, o lagar de azeite e, já dentro do vestíbulo, à direita, a espaçosa adega e o lagar de vinho. Com entrada também pelo vestíbulo, mas no lado esquerdo, depara-se-nos grandiosa cozinha.
É a cozinha uma das divisões mais interessantes do palácio pelo original e rico revestimento azulejar, de cerca 1750. Sobre a grande chaminé, curioso painel, em azul e branco, com moldura ondulada, representa cozinheiros a preparar uma refeição e, aos lados, em azulejos recortados, pendem um boi e um veado. Na parede oposta, sobre a porta, outro painel, mais pequeno, tem pintada uma matança de porco. O alto silhar de azulejos - ditos de «figura avulsa» - que rodeia a cozinha, apresenta a particularidade de, na parte superior, ter desenhados presuntos, enchidos, peças de caça, os mesmos motivos que se encontram, soltos, perto do painel da matança do porco.
Regressando ao vestíbulo, subimos a escada até ao primeiro patamar. Aqui se destaca, sobre o fundo de uma janela, notável trabalho escu1tórico em mármore: graciosa ninfa como que emerge da taça monolítica para onde goteja a água desta fonte. Por cima, um anjo esvoaçante segura um medalhão oval, certamente com o retrato (6) do pai do Correio-Mar José António; escultura esta que, por semelhanças estilísticas, é atribuível ao francês Claude de Laprade (7).
A escadaria bifurca-se e, seguindo o lanço direito, vamos ter à Sala da Música. No estuque do tecto estão representados vários instrumentos musicais, entre uma espantosa profusão ornamental de anjinhos, medalhões, grinaldas, concheados, etc., num conjunto interessantíssimo. Como era habitual, as dez pinturas de sobreportas são inspiradas em gravuras holandesas, como as outras telas com marinhas existentes no palácio. Datando sensivelmente da mesma época, cerca de 1775, das referidas peças decorativas desta sala, os belos painéis de azulejos polícromos são, com os azulejos semelhantes da Sala dos Troféus, os melhores da colecção.
A figura pintada no centro do tecto deu o nome à Sala da Fama; em estuque e da mesma época do anterior, este tem medalhões com pinturas, personificando em cada canto um continente - Europa, África, Ásia e América. As sobrepostas são do mesmo género das da Sala da Música e os azulejos, mais antigos uma quinzena de anos, têm particular valor iconográfico por figurarem a Torre de Belém e o Terreiro do Paço, em Lisboa, antes do terramoto de 1755.
A ala norte tem pouco interesse artístico. Os azulejos das várias salas são de fase decadente, fim de século, com excepção dos de sala n.O 95 (vd. planta), anteriores, mas do tipo vulgar de «vasos». O tecto da sala 94, chamada Quarto do Marquês de Penafiel, estilisticamente bastante anterior às sobrepostas e azulejos da divisão, tem delicadeza decorativa.
Voltando ao corpo central do edifício e ao patamar superior da escadaria, entremos na sala ao lado (n.o 115). Ampla, foi certamente acabada pelo filho do Correio-Mor José António, Manuel José, último Correio-Mor da família e 1.° Conde de Penafiel, cujas armas figuram no brasão do tecto.
Subindo três degraus, vemos, de um lado e outro, uma prateira (n.os 116 e 117), mostruário de peças de prata, louça, etc., e, em frente, a porta, agora rasgada, dá acesso aos jardins.
Uma equilibrada porta de cantaria abre para a Sala Central. Esta, tem interessantes azulejos, azuis e brancos, recortados, datáveis de 1760 e muito originais por representarem, em paralelo, as idades do homem e as fases de um navio (a «história» dos azulejos começa na parede à direita de quando entramos).
Outro bonito tecto de estuque é o da divisão seguinte: de um lado e outro da cena mitológica central, uns troféus dão o nome à sala.
Santos Simões descreveu (8) estes azulejos como seis painéis ornamentais polícromos representativos de uma fabricação excepcionalmente cuidada. Ainda que não haja documentação que permita seguranças atribuitivas é de admitir que estes azulejos, dada a sua qualidade, tenham sido produzidas na Fábrica Real (Rato) e, neste caso, em época próxima de 1775.
A sala imediata tira a sua designação dos azulejos, datáveis de 1755, representando as Estações. O tecto, em estuque, tem a particularidade de figurar as armas dadas por Filipe III, em 1606, a Luís Gomes da Mata (9), primeiro Correio-MOI da família e antepassado de José António da Mata de Sousa Coutinho, o engrandecedor do palácio.
Na ala sul, as quatro primeiras salas com janelas para o pátio e a sacristia (n.o 124), têm vulgares silhares deazulejos tipo vasos floridos, com interesse apenas dada a variedade de modelos e enquadramentos. A primeira destas salas (n.o 125) tem uns quadrinhos octogonais pintados, na madeira do tecto, no segundo quartel do séc. XIX, no tempo, portanto, do 1.° Conde de Penafiel.
O recheio móvel da sacristia e capela é o único primitivo do palácio (10) e as peças mais antigas, seiscentistas, serão dois quadros - Nossa Senhora da Misericórdia e Nossa Senhora a Comungar; o retábulo do altar, a imitar mármores, como era bastante usual, integra-se no estilo pombalino, conforme a designação de Robert Smith (11). De acordo com o local, a temática dos azulejos, datáveis de 1730-1750 é religiosa - ermitões na nave da capela e cenas jesuínas no coro e, caso curioso, houve a preocupação de fazer figurar no painel norte da nave, o capelão da casa e o anão (12) ao serviço dos Matas.
No topo da ala sul existe uma terceira prateira (n.o 138), com decoração pintada mais rica, e, contígua, a já mencionada Sala de Caça.
«Duas manifestações artísticas atingiram em Portugal valor superlativo e parecem inseparáveis: o azulejo e a talha» (13), disse Santos Simões. Nesta sala, ao azulejo e rico emolduramento do tecto, juntam-se as pinturas para constituir agradabilíssimo conjunto.
Da talha, pintada e dourada, sobressaem as oito telas, com pinturas mitológicas, inspiradas nas «Metamorfoses» de Ovídio e que julgamos do pincel de José da Costa Negreiros (14). O silhar recortado de azulejos, de meados de setecentos, valioso documento iconográfico, mostra-nos, no painel maior, uma tourada, a caça ao leão, amável concerto e uma refeição fidalga ao ar livre, onde é curioso notar ainda não serem usados garfos nos painéis menores há cenas várias com caçadores.
Da Sala da Caça, saímos para o pequeno jardim setecentista; este possui os elementos característicos da época - água rumorejante, na fonte e no lago, estátuas das Estações, buxo alinhado, árvores copadas, presença de azulejos (de c. 1760, em medalhões e no tanque) e ainda, como nota pitoresca, uma escultura do anão.
A capela, dedicada aos três Santos Reis, conforme inscrição (15) na fachada, abre para o jardim por um portão de ferro forjado e a entrada está «guardada», na galilé, por dois «porteiros» armados de espingardas, recortados em azulejo, de c. 1760. Na torre uma lápide tem a data de 1744, mas houve na capela certamente obras importantes bastante mais tarde (16).
O resto da quinta, agora transformada e ajardinada, era de exploração agrícola. Nota-se, contudo, que houve no séc. XVIII a preocupação de embelezar, disseminando fontes decorativas e colocando até no modesto tanque de rega um «espaldar» com azulejos, datáveis de 1760 e, como as pinturas da Sala da Caça, inspirados nas «Metamorfoses» de Ovídio.
O PALÁCIO DE LOURES E A FAMÍLIA DOS CORREIOS-MORES. CASAS DE CAMPO NOS ARREDORES DE LISBOA
«... & pola terra da parte de Sacavem, hà tantos lugares, quintas, vinhas, pomares, & outras ferteis & deleytosas propriedades, ... que não tem tanto o tempo, nem a minha lingo a, que possa explicar a largueza, com que Deos beneficiou a todo o termo desta Cidade de Lisboa.»
Luís Mendes de Vasconcelos (1), em 1608.
Numerosas eram as quintas e casas de campo próximo de Lisboa. Almada e Azeitão (na margem sul do Tejo), Belém, Benfica, Carnide, Lumiar, Sintra, Queluz, Loures, eram, entre outros, locais muito demandados. Ramalho Ortigão (1836-1915) diz-nos a propósito: «A antiga e amável povoação de Benfica, ainda que tão decaída hoje da alta importância que teve outrora no conceito, caprichoso e inconstante da alta sociedade da capital, é, ainda assim, no seu tanto, o recantinho suburbano de Lisboa que mais aproximada ideia nos sugere do que é para Roma o prestígio de Tivoli e de Frascati.»(2)
Muito rara antes do Renascimento, a «villa» suburbana da Roma antiga divulga-se desde então. Diferentes condições económicas, sociais, de segurança, etc., permitem a concretização do ideal humanista da casa de campo para repouso do espírito, de que uma das mais completas realizações arquitectónicas é a vila Médicis em Careggi, Florença.
Nos arredores fLorentinos e de cidades como Milão, Veneza, Roma, os cidadãos mais ricos constroem as suas «ville».
A casa de campo dissemina-se pela Europa, muitas vezes aproveitando castelos, que permanecem nessas funções, durante séculos, por exemplo em Inglaterra, na Rolanda e em França (3). Em Portugal, havia bastantes quintas e casas de recreio desde o alvorecer do séc. XVI (4). Os descobrimentos facultaram riquezas, em que se interessavam o rei, os nobres, os burgueses. Os nobres, na maior parte dos casos, reinvestiam os lucros em terras, na construção, no luxo. Os burgueses abastados em Lisboa atingiram talvez o auge em meados do séc. XVI, favorecidos pela expansão do comércio a distância, mas vários abalos motivaram o seu declínio; no entanto, a união com a Espanha foi favorável à burguesia portuguesa, por o rei saber que, necessitando de dinheiro, só os homens de negócio, grande parte cristãos-novos, lho poderiam emprestar (5). Entretanto, estes burgueses ricos também compram terras e constroem casas.
Entre estes burgueses ricos, contavam-se os Gomes de Elvas Coronel, futuros Correios-Mores. De origem judaica, descendia esta família do poderoso Abraham Senior, financeiro, personagem proeminente na corte de Castel a e, em 1492, apadrinhado pelos Reis Católicos, baptizado com o nome de Fernão Peres Coronel, não sendo, portanto, abrangido já pela ordem de expulsão dos judeus (6).
O neto de Fernão Peres Coronel ter-se-á estabelecido em Portugal, em Elvas. Elvas tem no séc. XVI, com Badajoz, lugar importante na vida mercantil e nas ligações por terra entre Lisboa e a Andaluzia (7) e não deve ter sido o acaso que levou à fixação dos Coronel nessa parte do Alentejo.
António Gomes de Elvas Coronel (n. cerca de 1515 -mo cerca de 1604) empreende negócios de grande vulto e, certamente por isso: transfere a residência para Lisboa, onde o localizam, desde 1563, as suas cartas comerciais (8). Laços familiares reforçavam, muitas vezes, os interesses económicas e financeiros; assim, o 1.° Correio-Mar da família, Luís Gomes de Elvas Coronel (n. cerca de 1540 - m. 1607), filho de António, desde cedo participante 110S negócios, era genro de um dos mais ricos capitalistas de Lisboa, António Fernandes de Elvas e cunhado de Tomás Ximenes de Aragão, contratador de especiarias, que terá emprestado aos' reis Filipe II e Filipe III de Espanha a enorme quantia de 300000 cruzados (9). Luís Gomes de Elvas tinha negócios conjuntos com Tomás Ximenes (10).
Os Gomes de Elvas estavam metidos no comércio das ilhas atlânticas, das Índias Ocidentais, do Oriente; eram importantes compradores de especiarias (em especial pimenta), interessavam-se pelo mercado de dinheiro, participavam nos «asientos» de Filipe II, negociavam com açúcar, encarregavam-se de exportações de sal para França e Norte da Europa, enviavam pedras preciosas para os Países-Baixos e Paris, conforme revelam as cartas publicadas por Gentil da Silva.
Com negócios desta amplitude e dados os graves transtornos causados pela desordem nos correios (11), é natural que os Gomes de Elvas e outros grandes comerciantes tivessem interesse no melhor funcionamento e possível controlo deste indispensável e rendoso serviço.
Foi no séc. XVI que surgiu o serviço de correios (12) regular e coordenado, numa acepção moderna. Nalguns países na posse do Estado, esteve muitas vezes o lucrativo serviço, tornado ou não hereditário, arrendado a particulares. O vasto Império de Carlos V (13) desenvolveu os correios e o imperador fundou o poder da família Taxis, detentora de ofícios postais nos Países-Baixos, Alemanha, Itália, Espanha, tendo o último monopólio familiar só desaparecido já depois de 1867. Devido aos ofícios, ascenderam os Taxis a posições sociais importantes, como príncipes de Thurn und Taxis na Alemanha, condes de Villamediana, desde 1603, em Espanha. Mesmo que não fosse hereditário pertenceu, em geral, o cargo dos correios a personalidades de destaque; por exemplo em França, Luís XV escolheu o notável diplomata duque de Choiseul e, em substituição, o duque de La Vrilliere.
Em 1520 nomeou D. Manuel o 1.° Correio-Mor de Portugal, Luís Homem. Não tendo Luís Homem descendentes, passou o ofício para outra família, na qual se transmitiu, em duas gerações, como uma espécie de dote; para isto, contudo, não conseguiu alvará o Correio-Mor Manuel de Gouveia, que morreu em 1598, ficando vago o lugar.
Entretanto, a conjuntura económica ibérica está muito perturbada - 1598, ano da morte de Filipe II, situa-se entre duas bancarrotas do estado espanhol, em 1596 e 1607. Os homens de negócios queixam-se da «maldad de los tiempos» e, em massa, abandonam os riscos. Por outro lado, os mercadores permanecem ainda à margem da sociedade tradicional e nos últimos anos do séc. XVI e primeiros do séc. XVII a situação política e social é-lhes extremamente hostil; daí, as tentativas de inserção nos quadros sociais, tornando-se nobres, funcionários, proprietários de terras, vivendo dos rendimentos.
«O caso de mercadores gratificados com uma "moradia" e admitidos como "cavaleiro da casa real" era muito comum, por vezes com a única condição de subscreverem empréstimos ou de adiantarem determinadas somas de dinheiro.»(14), afirma Gentil da Silva.
Prudentes, vários grandes mercadores, os Gomes de Elvas, os Évora, em Lisboa, Anvers, retiram-se da vida mercantil e escolhem o poder social e a riqueza; outros, são sacrificados pela crise de 1606-1607 e arruínam-se.
Nos últimos anos do séc. XVI, devem a Quinta e Casal da Mata, em Loures, pertencentes ao Convento de Odivelas, ter sido aforadas pelos Gomes de Elvas; cerca de 1590 acabava um emprazamento (15) e talvez com a peste que, em 1598, afugentou de Lisboa as pessoas abastadas para os arredores (16), tivessem ido os Gomes de Elvas para Loures. É de 1557 a primeira notícia (17) das habitações, possivelmente bastante simples, aí existentes, fazendo-se referência ainda a «outras duas moradas de casas peguadas cõ aquelas».
A zona sul do actual Palácio do Correio-Mor era revestida, ainda no séc. XVII, de densa e frondosa mata, fornecedora de toda a lenha necessária ao Convento de Odivelas, desde a sua fundação, em 1295 (18) Da importância deste núcleo arbóreo, derivou a designação, pelo menos desde meados do séc. XIV, de casal e quinta da Mata e, com a mesma origem, adoptou o apelido Mata, Luís Gomes de Elvas Coronel. Revela esta alteração de nome, substituindo os apelidos cristãos-novos Elvas e Coronel por Mata, a mudança que este comerciante imprimiu à sua vida, perante a crise de 1606-1607.
Aspectos mais frisantes dessa mudança são mostrados por alguns manuscritos (19), da Chancelaria de Filipe III, todos datados de 1606: «Dom Filipe por Graça de Ds Rey de Portugal... avendo Respeito aos serviços que me fez Luiz Gomes delvas o faço por esta fidalgo e nobre como se de todos os seus antepassados o fora... e lhe dou por solar a sua quintãa da mata que esta no termo dà çidade de Lixboa junto à igreja de Loures & ey por be que elle & todos os seus deçendentes se chame de apelido da mata para todo sempre...», Fevereiro de 1606. Noutra carta, do mesmo mês, o rei dá-lhe «por armas e ornamento de nobreza: ... o Campo douro e tres matas verdes, floridas e elmo de prata guarneçido douro, paquife de ouro e verde, e por timbre outra mata florida.»
Em Abril, Filipe III dá a Luís Gomes da Mata 1800 réis de moradia por mês, o que, como refere Gentil da Silva, era bastante vulgar.
Três meses depois, em Julho, é passada a seguinte carta: «Dom Filipe... houve por bem mandar se vendesse o officio de correa mayor dos meus Reinos de Portugal e algarves ... e comfiando eu de luiz gomez da mata... ey por bem e me praz de lhe vender... o dito officio... pella preso e com as condições seguintes... preso de setenta mil cruzados... paguos na forma seguinte - trinta mil cruzados... os quaes são os mesmos que sem interesse algum prestou a minha fazenda... e os quarenta mil cruzados Restantes ade dar o dito Luiz Gomes da Mata nesta minha corte...»
«É um facto que os burgueses de todas as origens, em qualquer parte, são atraídos para a nobreza; ela constitui o seu sol», diz Fernand Braudel(20).
No entanto, o Correio-Mor e os filhos continuam a emprestar dinheiro a juros (21) e no testamento (22), feito em 1607, meses antes de morrer, Luís Gomes da Mata refere encomendas que tem na Índia. Nobilitada, tendo por solar a quinta da Mata, esta família vai ter uma interessante ascensão social. O 1.º Correio-Mor Mata, no testamento, pede ao seu sucessor que compre a quinta e casal da Mata e menciona «as Casas e todas as mais bemfeitorias que nella tenho feitas athe ao presente».
António Gomes da <Mata(m. 1641), possuía duas casas de campo - uma em Carnide, de que, no testamento (23), dispõe para uma doação piedosa e a de Loures, que, no mesmo documento, é apenas indicada como «quinta da Matta com suas terras, & Azenha, & mais pertenças, q. valerá quatro contos, & 800». Dada esta valorização, em bastante mais do que a casa e jardim de Carnide e do que a residência de Lisboa, que sabemos luxuosa, estaria bastante cuidada a propriedade da Mata, que não era grande.
As casas de campo constituíam moda europeia. Maravilhosa era, por exemplo, a de Blauhof, em Basel, na Flandres Ocidental, que pertenceu aos Ximenes, aparentados aos Correios-Mores e de que Sanderus perpetuou a imagem (24).
«Loures lugar muy fresco e aprazivel», segundo um. autor (25) da primeira metade do séc. XVII, convidava à estada.
De 1641 a 1674 foi Correio-Mor Luís Gomes da Mata e, então, abrangeria a sua casa de campo, aproximadamente, a ala sul do palácio actual,. interpretando nós, na falta de documentação, vestígios vários (26) que têm surgido na obra de restauro. Corroborando o requinte que entrevemos, já em 1647 a quinta da Mata teria jardim e jardineiro.
O casamento deste segundo Luís Gomes da Mata com uma senhora da Casa dos Condes de Monsanto (27), trouxe à família o nobre apelido Sousa Coutinho. Afirma-se a ascensão social, ao mesmo tempo que se verifica um afastamento dos negócios e uma sumptuosidade de vida que obriga mesmo Luís Gomes da Mata a fazer empréstimos.
Vivendo muito tempo numa casa de campo em Belém, que grandemente beneficiou, não deve o Correio-Mor Duarte de Sousa Coutinho da Mata (m. 1696), viajante europeu e artista de mérito, ter feito melhoramentos no seu solar de Loures. Aqui, por outro lado, passa largas temporadas, ou terá mesmo vivido com certa permanência, o primogénito de Duarte, Luís Vitória (n. 1688 - m. 1735).
Depois do casamento (29), Luís Vitória da Mata de Sousa Coutinho parece começar a viver mais em Loures, surgindo então notícias de acontecimentos lá passados: em 1718, em Agosto, nasce o primeiro filho, José António que, segundo o registo da freguesia, foi baptizado «na capela das casas em que o.. (viviam seus pais) ... na mata solar da sua casa». Mas o pormenorizado autor (30) da Corografia Portuguesa, em 1712, refere laconicamente a Quinta da Mata, sem qualquer referência nem ao solar, nem à capela, Estaria a casa um bocado abandonada e apenas com algum oratória a servir de capela? Haveria grandes obras? A falta de documentação não permite ir além de hipóteses; damos, contudo, preferência à primeira. Entretanto, o solar era regularmente habitado, o que denota certo conforto. No Outono de 1720 ali nasce a primeira filha do Correio-Mor, Maria (31) e em 1721 morre (32) a sua tia D. Maria Manoel de Castro, pintora (33) ilustre.
Sabemos Luís Vitória em Belém em 1725 e 1726 (34) mas, vendida essa sua quinta em 1727, devia, pouco depois, instalar-se em Loures; de facto, em 1733, é aí ministro da Ordem Terceira de S. Francisco (35) e em 1735 morre «na Mata, solar da sua casa» (36).
As Memórias Genealógicas... dos Senhores Correyos Mores informam-nos que «foi perda para a Republica o levallo a queixa de huma invencivel Ipicondria (sic; hipocondria, misantropia) para a sua grande Quinta, e sollar da Mata de Loures, e viver alIi retirado, negando-se ao comercio de Parentes e Amigos» (37). Por esta atitude de Luís Vitória, mas sobretudo pelo que o próprio palácio nos deixa perscrutar, não devem ter sido feitas obras até 1735. Sendo os azulejos da capela de 1730-1750, mais naturalmente de 1740 e existindo na torre uma placa datada de 1744, terão as obras da capela sido executadas pouco depois da morte deste Correio-Mor.
Nesta época deve ter sido esculpida a bonita peça de mármore do anjo a segurar um medalhão, com o retrato de Luís Vitória e que atribuímos a Claude de Laprade (38).
Dizendo que não parece provável terem sido feitas obras no palácio em vida do Correio-Mor Luís Vitória, até 1735, afastamos a hipótese de Ayres de Carvalho (39) da intervenção do arquitecto romano Canevari, aquando da sua estada em Portugal, de 1727 a 1732 (40).
Decorria o longo reinado (1706-1750) de D. João V. O País conhecia uma época de paz e prosperidade. As artes prosperavam também, sob o forte estímulo do rei e entre a emulação dos seus súbditos. Sucediam-se as construções reais, de que se destaca, alguns quilómetros a NW. de Lisboa, o Palácio-Convento de Mafra, um dos maiores e mais influentes edifícios portugueses (41). Sucediam-se as encomendas artísticas e, por exemplo, a ourivesaria francesa, muito célebre em toda a Europa, tinha grandes clientes portugueses. Os Correios-Mores possuíam peças desta origem (42) e os famosos ourives parisienses Germain forneceram D. João V, o Duque de Aveiro, D. José.
O reinado de D. José (1750-1777) é artisticamente muito marcado pelo terramoto de 1755. Na reconstrução da capital, supervisionada pelo Marquês de Pombal, define-se um estilo, o pombalino (43), funcional, simples, de uma sociedade ascendente, moderna, burguesa. Contemporaneamente, o Palácio de Queluz, o Sans-Souci português, na estrada para Sintra, mostra um gosto aristocrático apegado ao barroco, à fantasia da primeira metade do século (44). Esta última tendência vai-se também manifestar na Basílica da Estrela, miniatura da de Mafra, mandada levantar pela Rainha D. Maria I (reinou de 1777 a 1816) e em várias casas de particulares.
Na periferia de Lisboa, os membros da família real, o clero, os nobres, os burgueses, tinham casas de campo. D. João V, em 1727, por compra, tornou reais algumas casas de nobres em Belém; Sintra tem Palácio Real e Que1uz, entretenimento do Infante D. Pedro, tornou-se residência de reis com a subida ao trono de sua mulher D. Maria L Entre Belém e Lisboa, na Junqueira, vemos a casa do Principal da Sé, Lázaro Leitão Aranha e a do Secretário de Estado de D. João V, Diogo de Mendonça Côrte-Real. Cunhado deste e filho do Conde de Avintes, o Patriarca de Lisboa, D. Tomás de Almeida, usufruia de duas casas de campo - a de Santo Antão do Tojal delineada, em 1731, por Caneveri (45) e a de Marvila, devida a Rodrigo Franco, conforme notícia que encontrámos. Em Oeiras, o palácio do Marquês de Pombal, atribuído ao húngaro Mardel, datará de 1737-1740 (46). A burguesia também se instalava no campo - os Quintelas nas Laranjeiras e, perto, em Benfica, construiu o inglês Devisme um palácio quase pegado ao dos Marqueses de Fronteira. Sintra muito procurada pelos negociantes estrangeiros, deve, por exemplo, o Palácio de Seteais ao holandês Guildemeester.
Após o terramoto, Lisboa ressurge. Nas cercanias da Sé, em 1771 ou 1772 (47), iniciava o Correio-Mar José António da Mata de Sousa Coutinho (n. 1718; Correio-Mar desde 1735; m. 1790) a reconstrução do seu palácio, engrandecido mais tarde, cerca de 1830, pelo Conde de Penafiel e ainda transformado e embelezado pelos marqueses do mesmo título, em 1865 ( 48).
Por curiosidade, mencionemos duas importantes casas de Correios-Mores contemporâneos de José António, o detentor do mesmo cargo em Portugal. Em França, o Palácio de Chanteloup no Vale do Loire (49), que pertenceu a Choiseul; na Alemanha, em Frankfurt (50), o Palácio dos Thurn und Taxis, com magníficas 140 divisões. Ambos edifícios notáveis, tiveram, por coincidência, a autoria do mesmo grande arquitecto francês - Robert de Cotte.
O Correio-Mor português, simultaneamente, iniciava as obras da casa de Lisboa e prosseguia as da casa de Loures, reveladoras ambas, apesar do valor superlativo da última, da falta de grandes artistas que havia em Portugal, falta tão bem denunciada por José Augusto França na sua brilhante tese sobre Lisboa Pombalina.
Quem desenhou o projecto do Palácio do Correio-Mor em Loures, julgamos que em meados de setecentos, permanece um mistério. Mas este mistério subsiste em relação a muitos importantes palácios portugueses, como, para só citar alguns da região de Lisboa, o dos Marqueses de Fronteira, o dos Condes de Galveias, o Palácio Pimenta, próximo, no Campo Grande, em Oeiras o Palácio do Marquês de Pombal, cuja atribuição a Mardel não é documentalmente confirmada, etc.
A nobreza apreciava Loures. Em meados do séc. XVIII aí possuíam quintas os Condes de Castelo Melhor, Valadares, o Duque de Lafões (51), etc. O Correio-Mor José António, que deve permanecer bastante em Loures de 1745 a 1755 (52), terá começado, conforme já dissemos, as obras do seu solar pela capela. Esta, datada de 1744, foi sagrada pelo Patriarca D. Tomás de Almeida (53) (m. 1754) e recebeu privilégios de Benedito XIV (54) (Papa de 1740 a 1758).
Com a ampliação e adaptação do solar existente a duas novas alas (55), constituiu-se vasto e monumental edifício de planta em U. Na mesma época, o grande solar de Mateus em Vila Real adopta também este tipo de planta vindo do séc. XVII 56) e usado então, por exemplo, na referida casa de campo dos Condes de Galveias, actualmente em plena Lisboa.
«Pequeno mundo que contém em si as comodidades que a vida exigia» (57), destinava este género de casas os baixos para arrecadações, cavalariças, dependências de serviço, o piso intermédio, quando o havia, ainda para serviço, o andar nobre para habitação da família.
Frequentador da Corte (58), ligado à grande nobreza (59), muito rico e esbanjador (60), o Correio-Mor José António beneficia em proporção a isso a propriedade, cabeça de morgado, recebida dos antepassados. Ao cuidado no arranjo do exterior do edifício, corresponde, ou mesmo excede, o do interior, o que não é vulgar em Portugal. A ornamentação fixa, já referida a propósito da descrição do palácio, foi datada com pouca dificuldade em relação aos azulejos (61), mas, infelizmente, o mesmo não se verifica quanto aos estuques (62), pinturas (63), esculturas (64). Conseguimos, no entanto, datar duas importantes fases nos melhoramentos. Em 1765, a valorização da quinta sobe bruscamente.
Já plantadas as oliveiras, as árvores de fruto, a vinha (65), deveriam estar concluídos, ou em vias de conclusão, os aterros, as canalizações de ribeiras, a construção de fontes e muros e colocados os elementos escultóricos (66) nos jardins. Em 1766 aparece um caseiro e, só nesse ano, um jardineiro, chamado Jacob (67). No ano seguinte, 1767, são as «casas nobres» avaliadas em mais 50 % (68) do que nos anos anteriores, o que pressupõe o fim das principais obras do palácio. Podemos, assim, afirmar que a grande campanha de obras é de meados e da segunda metade do séc. XVIII. Em 1765-1766 estariam feitos o ajardinamento e os trabalhos na quinta. Em 1767, () engrandecimento do palácio com as três alas formando planta em U e a quase centena e meia de compartimentos, alguns já decorados; mas os acabamentos vão-se arrastar, principalmente na ala norte, até quase ao fim do século, até à morte de José António, em 1790.
O inventário (69) exaustivo dos bens deste Correio-Mor, feito à sua morte e que levou alguns anos a completar, descreve o palácio e a quinta de Loures, sem qualquer referência à decoração interior fixa. Esta, segundo o que nos foi dado observar «in loco», não teria sido concluída nalguns pormenores, assim como permaneceu inacabada uma cascata para a qual talvez se destinassem umas pedras e colunas que se encontravam no pátio (70).
Fortalecendo o poder real, o despotismo iluminado, que começou em Portugal no reinado de D. José, com o Marquês de Pombal e se sucedeu ao absolutismo régio de D. João V, atentou fortemente nos privilégios baseados na hereditariedade. Estabelecido, o despotismo manteve-se após a morte do rei e a queda do ministro (71) e teve como defensores práticos alguns secretários de Estado, entre os quais Rodrigo de Sousa Coutinho (72).
Em Outubro de 1769, é precisamente Rodrigo de Sousa Coutinho quem assina a ordem da rainha que dá início às diligências para a «reincorporação na Coroa do lugar de Correio-Mor» (73). Já no reinado de D. João V, o Testamento Politico (74) de D. Luís da Cunha (1747-49), vasto programa de governação com princípios de que se servirá Pombal, põe a hipótese, citando países em que o serviço de correios já pertence ao Estado, de o rei tirar o ofício ao Correio-Mor, dando-lhe uma indemnização.
Apesar do constante desenvolvimento postal ao longo do séc. XVIII (75), os Correios-Mores eram acusados de, por ganância, obstarem a um progresso mais substancial (76). Na verdade, o detentor do cargo auferia de avultados rendimentos, que, por exemplo, em 1746, se eleyavam a 160000 cruzados.
Entretanto, D. Luís da Cunha dá soluções para uma mais eficiente transmissão de notícias e insurge-se contra a morosidade: «ninguém crerá que entre duas cidades de tão grande comércio,. como são Lisboa e o Porto, não podem os negociantes ter resposta senão em quinze dias» (77).
José António conseguiu continuar Correio-Mor, apesar das ameaças da época. Igual sorte não teve o seu filho, Manuel José da Maternidade da Mata de Sousa Coutinho, a quem, finalmente, em 1797 (78), o Estado reivindicou o monopólio dos correios, mantido na família havia quase 200 anos. Como recompensa, foram concedidos a Manuel José benefícios pecuniários, a promoção na carreira militar e o título de conde (79), com a apelidação de Penafiel (80).
O conde, definido como «um belo rapaz, o fidalgo mais rico de Portugal e ornamento da sua classe» (81) distingiu-se no exército, sendo mesmo condecorado pela participação na Guerra Peninsular. Contemporaneamente a esta intensa actividade militar do seu proprietário, esteve o palácio de Loures arrendado. O aluguer fez-se em 1803 (82), o da quinta ainda dois anos antes (83) e manteve-se até 1812 (84).
Casados em 1824, o Conde e a Condessa, filha dos Marqueses de Belas, vivem alguns anos em Paris (86), com grande aparato. Viúvo, com uma filha pequena, o Conde de Penafiel regressa à Pátria e em 1833 encontra-se em Lisboa. Do partido liberal, cede então o seu palácio de Loures para albergar os feridos das lutas civis que se travavam. O Marquês de Fronteira recorda: «A casa do Conde de Penafiel, em Loures, estava ocupada pelo hospital de sangue e dos cholericos e typhosos. Fazia horror o aspecto interno da casa.» (86)
Mas o palácio de Loures em breve esqueceu estes trágicos momentos com as obras que se impunham.
O arrendamento, a ausência prolongada dos donos, os estragos pela ocupação como hospital, os próprios elementos decorativos, tudo leva a situar nesta época os vários melhoramentos feitos pelo conde: o arranjo da Sala do Brasão, com a pintura no tecto que lhe deu o nome - brasão composto por um escudo esquartelado de: 1.º Matas, varonia do 1. º Conde de Penafiel; 2. º e 3. º Câmaras, varonia de sua mãe e 4. º Mendonças, costado de sua avó materna. As pinturas, datáveis de 1840, dos painéis octogonais da sala 125. As curiosas pinturas de marinhas, que lembram trabalho de João Pedroso, nas sobreportas da Sala Central e ainda o restauro antigo que se nota em bastantes azulejos.
Dona Maria da Assunção da Mata de Sousa Coutinho (1827-1892), 2.a Condessa e 1.a Marquesa, desde 1869, de Penafiel, filha única, herda em 1859 a grande fortuna da sua Casa. Em 1861 casa-se com um diplomata brasileiro, depois nacionalizado português (87) e conde "lure Uxori"».
Os Condes de Penafiel iniciam, desde logo, vida de grande fausto, reunindo nas suas festas a Família Real e as personalidades mais marcantes da alta sociedade do tempo. A imprensa referia-se a estas elegantes reuniões e, sobre uma delas, ouçamos o cronista Júlio César Machado: «A grande novidade da semana foi o baile dos senhores Condes de Penafiel, prodigioso de riqueza, de esplendor e de elegância; uma dessas festas que não se descrevem, porque se mata a ideia delas ao querer guardá-las... tudo que as artes conseguem, tudo que o gosto prepara, tudo que a sumptuosidade inventa; um sonho acordado...» (88)
Em relação a Loures, os condes e depois marqueses, por compras sucessivas, sobretudo entre 1869-1870, aumentaram cerca de cinco vezes a propriedade rústica (89). No palácio, seguindo a moda de sobrecarga decorativa, mandaram, em 1871, os marqueses de Penafiel colocar estuques, agora retirados, nas paredes das Salas Central e de Música (90).
Em 1874 (91), arruinados, os Marqueses de Penafiel instalam-se em Paris, mandando vender a maior parte das propriedades, leiloando o recheio dos palácios de Lisboa e de Loures, alugando o primeiro e vendendo o segundo, em 1875 (92), ao grande lavrador Quirino Luís António Louza.
Na posse da família Louza Canha, até 1966, teve, entretanto o palácio algumas obras (93) de conservação, encontrando-se contudo muito estragado aquando da venda.
Propriedade da Casa Agrícola da Quinta da Matta, Lda., sofreu recentemente o palácio profundas obras (94) que o adaptaram a novos requisitos e lhe deram nova fisionomia.