Ficção
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Ficção é o termo usado para descrever obras (de arte) criadas a partir da imaginação. Isto se faz em contraste à não-ficção, que reivindica ser factual sobre a realidade. Obras ficcionais podem ser parcialmente baseadas em fatos reais, mas sempre contêm conteúdo imaginário.
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[editar] Definição
É um tanto difícil estabelecer limites sobre o que pode ser ficcional, e o que pode ser uma “interpretação real”. A Enciclopédia Larousse define ficção como “ato ou efeito de simular, fingimento; criação do imaginário, aquilo que pertence à imaginação, ao irreal; fantasia, invenção”.
Se ficções forem quaisquer produções humanas que representem a realidade sem, contudo, interferir materialmente nela, então qualquer discurso — melhor, qualquer expressão de linguagem — seria uma ficção. Mas, como já dito, a ficção aqui focada é a artística, especialmente a expressada pelos meios audiovisuais (cinema, televisão, vídeo). Certamente há mais campo de trabalho sobre ficção na literatura, na poesia, no drama teatral.
[editar] Ficção Audiovisual
A ficção audiovisual nada mais é do que uma seqüência elaborada de imagens e sons reproduzidos. Ou seja, não são de fato a imagem real nem o som real, mas uma reprodução técnica (fotografia, gravação magnética etc.) que simula para os sentidos a mesma percepção que teriam sobre os reais objetos. A forma como estes elementos reproduzidos são organizados produz no espectador uma compreensão inteligível que acaba por tomar a ficção como um espaço próprio, particular e exclusivo dela mesma.
Em outras palavras: quando um espectador vai ao cinema assistir ao filme “O Senhor dos Anéis”, ele vê nada mais que uma seqüência de imagens produzidas (o objeto foi modificado materialmente) e reproduzidas (o objeto foi simulado tecnicamente) que produzem nele a percepção de uma realidade à parte . Esta realidade (diegese) faz sentido somente dentro do filme, e neste limite exclusivo ela é coesa e coerente. O espectador não espera misturar a realidade material, que seus sentidos captam, com a realidade ficcional. Ele não está vendo a Terra Média, nem elfos, nem monstros, e sabe disso conscientemente (a não ser, é claro, as crianças). Ele está vendo o resultado de trabalhos de cenografia, figurino, maquiagem, interpretação dramática e sonoplastia (a produção) que foram captados por câmeras, tratados foto-oticamente, editados numa seqüência lógica e fotocopiados (a reprodução) e posteriormente projetados luminosamente numa tela.
Produção e reprodução, especialmente em cinema e vídeo, são estágios bem distintos e fundamentais para a construção do espaço ficcional. O primeiro, como percebemos, age materialmente sobre a realidade que será captada, construindo de fato um cenário ou modificando o cabelo ou a cor de pele de uma atriz. O segundo age sobre a imagem e o som captados, sem alteração material. O resultado é um produto que “dá a impressão” de ser real, mas é simulação ficcional. Isso é possível porque é inato à ficção audiovisual o recorte — a escolha de o que aparecerá dentro do quadro filmável, o foco em determinado objeto, o ângulo de captura e finalmente a edição/montagem.
Enquanto podemos dizer que a ficção em texto nasceu praticamente junto com a palavra — se tomarmos como certo que todo discurso é uma ficção, pois é uma realidade sobre o mundo, e não a realidade —, a ficção imagética é bem mais complexa para definir seu nascimento. Podemos tomar a escultura como uma espécie de ficção, já que produzia formas (deuses, monstros etc.) não existentes na realidade material. A pintura, então, seria uma notável forma de ficção durante séculos, mas ela poderia também ser usada para representar o real (retratos, paisagens). Ainda assim, tratar-se-iam de reproduções, não de realidades. Até então, era muito fácil distinguir sensorialmente o real do ficcional.
A ficção ganha um potencial incrível com o advento da fotografia. A partir dessa inovação técnica, passa a ser possível captar imagens da realidade material sem a mão do homem “desenhando”: bastaria deixar a luz fazer seu trabalho sobre uma superfície fotossensível. Com isso, o objeto fotografado parece ser a expressão mais fiel da realidade — a única reprodução que corresponderia ao real.
No entanto, ainda no século XIX, poucas décadas depois de sua invenção, o homem já percebe a possibilidade de usar a fotografia para captar imagens não-reais, modificando a realidade e criando uma realidade fictícia. A diferença é que, enquanto nas artes anteriores essa modificação era feita pela mão do pintor ou escultor no estágio da Reprodução, pela primeira vez o trabalho criativo será feito no estágio da Produção. Durante a Guerra Civil Americana dos EUA, certos correspondentes jornalísticos, quando não conseguiam fotografar cenas de batalha ou não julgavam as fotos contundentes o suficiente, organizavam encenações com os soldados, de forma que pudessem registrar fotograficamente certas imagens que nunca ocorreram — ou melhor, nunca teriam ocorrido, não fosse a câmera presente ali. É nesse momento que nasce a ficção do cinema, pois temos a reprodução técnica (não mais manual) de uma imagem que não está naturalmente presente na realidade material. Ela foi produzida para ser essa imagem, intencionalmente - no espaço que se chama "pró-fílmico". É por isso que até hoje a Produção é o estágio de realização de um filme que se ocupa de conseguir formar as imagens que serão captadas pela câmera para parecerem reais.
Daí pode-se perguntar: “se há uma intervenção na realidade material, a ficção existe materialmente?”. É difícil concordar com essa proposta, se lembrarmos que os cenários da Terra Média, as maquiagens dos elfos, os elementos filmados não são a Terra Média nem os elfos; apenas parecem ser, e é essa a intenção para a posterior reprodução. O que teremos no final serão várias imagens (e sons!) organizadas em seqüência, que “dão a impressão” de contar uma história. Mas não existem no mundo material, uma vez que a seqüência de imagens no cinema não é uma realidade, só é aceita como uma realidade.
Mas aceita por quem? Por um público, certamente, não por um indivíduo apenas. Uma das descrições enciclopédicas para “ficção” é “realidade convencional”. Entende-se por esse termo uma construção de realidade que não está limitada à percepção de uma única pessoa (como o sonho), e sim à de várias. Convencionalmente, a realidade de “O Senhor dos Anéis” é aceita como real, mas dentro dos limites exclusivos daquela obra. A realidade de “Guerra nas Estrelas” é outra, assim como a de “Cidadão Kane” ou de “Tudo Sobre Minha Mãe”. Cada ficção circunscreve-se em seu próprio espaço ficcional.
Ficção, neste entendimento, é a construção de diegese: um “espaço”, materialmente inexistente, mas que é percebido como virtualmente existente por uma ação conjunta sensorial e psíquica. Ou seja, não basta ver ou ouvir para perceber algo ficcional: é preciso também entendê-la, mentalmente, como tal.
[editar] Por que o Homem produz ficção?
Por que fazemos ficção? Por que criamos ilusões de realidades, espaços e pessoas inexistentes para contar histórias que nunca aconteceram? Por que produzimos imagens que não se encontram na natureza, de forma a materializar visualmente as idéias que temos na cabeça? Por que escrevemos roteiros, filmamos e editamos fotografia, cinema e vídeo?
O Homem é o único animal que produz ficção. É o único ser vivo que cria uma aparência de realidade para enganar a si próprio ou a seus similares. Todos os outros seres interagem com a realidade material, e apenas com ela — enquanto o Homem, não satisfeito em alterá-la, procura também criar uma espécie de nova realidade: a ficção. Ali, o Homem é capaz de moldar o ambiente e seus elementos, de acordo com sua vontade.
Mas o Homem, também, é o animal que sonha. Que, quando dorme, cria suas próprias versões da realidade, em situações nas quais pode realizar seus desejos. O Homem pega as experiências que vivenciou ou presenciou recentemente (restos diurnos) e cria alegorias para camuflar o que seu inconsciente mais deseja expressar: o seu desejo. O sonho fornece a possibilidade de realizar o desejo numa realidade que não terá maiores conseqüências — algumas horas depois, o Homem vai acordar e dizer que “tudo não passou de um sonho”.
Da mesma forma, a ficção cria um espaço simulador de realidade que não tem maiores conseqüências para além de sua fronteira. Ao terminar a sessão, “tudo não passou de um filme”. Tanto em sonho quanto em ficção, tudo que experimentamos foi a percepção de imagens e sons cujo sentido só existe em nossas mentes. E na ficção o Homem repete conscientemente o que o inconsciente faz no sonho: criar um mundo para efetuar desejos.
Nesta lógica, parece inevitável concluir que a capacidade humana de fazer ficção é conseqüência da sua faculdade de sonhar — que a construção de um espaço ficcional deriva da experiência onírica. Ou seja, a ficção existe porque o homem sonha. No entanto, essa afirmativa tão categórica e simplista poderia descartar inúmeras outras formas de interação com a realidade. Ainda assim, o primeiro contato que o Homem terá com uma experiência não-real e não-material será o seu próprio sonho. A partir disso, todo filme, toda novela, toda invenção será um sonho que se sonha acordado.
[editar] Ficção x Realidade
Ao longo da história do pensamento humano, a Filosofia, a Teoria da Arte e a Teoria da Comunicação vêm estudando a questão de como delimitar a fronteira entre ficção e realidade. É a camuflagem do limite entre representação e realidade que dá início e sentido ao problema. O observador de um quadro, ainda que fosse pintado com a mais precisa técnica de “realismo”, não era “enganado”, pois sabia que estava vendo um quadro. A fotografia, ainda que fosse alegadamente a captação mais fiel da realidade, não se confundia com ela, para o observador, por ser imagem estática. Mas o cinema, pela a transposição acelerada de fotogramas, causa a ilusão de movimento, o que amplia a sensação de “realismo” da imagem reproduzida, mais ainda com o advento posterior das cores (já que o preto-e-branco seria uma forma de diferenciar da visão “real” humana).
É essa opção que gera um problema de linguagem para o audiovisual. Se nenhuma imagem é o real, como transmitir o real? A afirmação de que "mesmo na realidade da imagens há muita ficção" (Ivete Lara C. Walty, “O Que É Ficção”), na medida em que condena toda produção audiovisual (mesmo aquela pretensamente “documental”) ao status de ficção, nega-lhes a confiabilidade e veracidade anteriormente conferidas. O problema de linguagem passa a ser “como contar a verdade?”.