Atentado do Riocentro
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O Atentado do Riocentro foi um ataque a bomba frustrado contra o Pavilhão Riocentro no dia 30 de abril de 1981. Na data realizava-se no edifício um show em homenagem ao Dia do Trabalho.
Por volta das 21h30min, com o evento já em andamento, uma bomba explodiu dentro de um carro no estacionamento. A bomba seria instalada no edifíco mas explodiu antes da hora, matando um dos passageiros do carro e ferindo gravemente o outro.
Na ocasião o governo acusou como culpado pelo atentado os integrantes radicais da esquerda. Essa hipótese já não tinha sustentação na época e atualmente já se comprovou, inclusive por confissão, de que o atentado no Riocentro foi uma tentativa de setores mais radicais dentro da ditadura (principalmente o CIE e o SNI) de fazer crer que era necessária uma nova onda de repressão e paralisar a lenta abertura política que estava em andamento.
Uma segunda explosão ocorreu a alguns quilômetros de distância na miniestação elétrica responsável pelo fornecimento de energia do Riocentro. A bomba foi jogada por cima do muro da miniestação, mas explodiu em seu pátio e a eletricidade do pavilhão não chegou a ser interrompida.
Esse episódio é um dos que marcam a decadência do regime militar no Brasil que daria lugar dali a quatro anos ao restabelecimento da democracia.
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[editar] Situação política na data
Em 1978 o general João Baptista Figueiredo sucedeu o general Ernesto Geisel na presidência. Figueiredo se comprometera com o amigo a dar continuidade ao processo de abertura que este havia iniciado. No entanto toda a carreira de Figueiredo estava ligada à comunidade de informações, e essa comunidade (formada pelo CIE, SNI e DOI-Codi) era responsável direta pela repressão à esquerda. Então mesmo disposto a continuar o trabalho do antecessor, o general fez o possível para não entrar em atrito com os serviços de informações.
Os serviços de informações, principalmente o CIE, estavam desgostosos com o rumo que a política estava tomando. Eles haviam sido responsáveis por centenas de casos de tortura e desaparecimento, pelos quais poderiam ser punidos caso o regime se desfizesse. O fim da ditadura poderia representar o fim da comunidade de informações; seus membros temiam ficar desempregados e um possível revanchismo por parte da oposição caso essa assumisse o poder. Por isso para estes orgãos era de interesse que a esquerda se envolvesse com luta armada, para que assim pudessem justificar seus atos de repressão. Mas no fim da década de 1970 a esquerda ja havia abandonado os métodos de guerrilha e o grande núcleo de oposição ao governo era o PCB, que nunca aderira à luta armada. Na falta de um perigo real, as alas radicais da ditadura estavam dispostas a fabricar ameaças para justificar uma volta à repressão mais violenta, como ela era no governo Médici.
[editar] Os preparativos
Várias medidas estranhas tomadas no dia em que se realizaria o show indicam que o atentado envolveu a participação estratégica de muitas pessoas, militares e civis, e que vinha sendo planejado detalhadamente.
A poucas horas do início do evento a segurança do pavilhão era parca em relação ao habitual. O tenente César Wachulec, que era o chefe da segurança do Riocentro, recebeu naquele dia uma ordem para controlar exclusivamente o movimento das bilheterias. A coordenação geral dos seguranças foi transferida para um outro funcionário, um mecânico sem qualquer experiência na área. Um mês antes disso o antecessor do tenente Wachulec foi demitido sem justificativas. Seu nome era Dickson Grael e era um coronel experiente nesse tipo de serviço.
A Polícia Militar costumava destacar homens para patrulhar o Riocentro, assim como qualquer outra grande aglomeração de pessoas, mas no dia do atentado o policiamento foi suspenso pouco antes do show. A justificativa foi de que, por ser um evento privado, a responsabilidade pela segurança era exclusiva dos organizadores.
[editar] O atentado
O carro que carregava a bomba (um Puma cinza-metálico) foi visto na tarde daquele mesmo dia no restaurante Cabana da Serra, que ficava num ponto isolado da estrada Grajaú-Jacarepaguá. Ele parou no restaurante junto de outros seis carros. Dos carros desceram cerca de quinze homens, que usaram uma mesa do restaurante para examinar um grande mapa. Depois de perceber que vários dos homens carregavam armas na cintura, um dos funcionários resolveu ligar para a polícia. Uma viatura atendeu o chamado mas, dada a superioridade numérica dos homens, se limitou a anotar as placas enquanto pedia reforços. Mas os carros abandonaram o local antes de outros policiais chegarem.
No dia fatídico várias placas de trânsito num trajeto que leva ao Riocentro foram pichadas com a sigla VPR. Provavelmente foram os próprios envolvidos no atentado que as vandalizaram enquanto encaminhavam-se para o pavilhão. A VPR -- Vanguarda Popular Revolucionária -- foi um grupo de guerrilha de esquerda, mas já havia sido desmontado em 1972, quando a maioria dos participantes foi morta. As pichações foram uma tentativa de culpar a oposição pelas explosões.
O Puma levava dois passageiros, o capitão Wilson Luís Alves Machado e o sargento Guilherme Pereira do Rosário. Ambos trabalhavam para o DOI-Codi do estado do Rio de Janeiro e o sargento Rosário tinha treinamento do Exército em montagem de explosivos.
Quando o carro começou a sair da vaga onde estacionara (provavelmente já para plantar a bomba) o artefato explodiu antecipadamente. A explosão inflou o teto do carro e estraçalhou as portas. O sargento Rosário morreu, mas o capitão Machado não. Ele se arrastou para fora do carro e pedia para ser levado a um hospital.
Muitas pessoas se aglomeraram em volta do carro. Alguns dos expectadores, inclusive o tenente Wachulec, viram um homem retirar do interior do carro duas granadas do tipo cilíndrico usado pelo Exército Brasileiro.
A explosão não chamou a atenção das pessoas dentro do Riocentro. Curiosamente a segunda explosão que aconteceu na caixa de força da estação elétrica pôde ser ouvida dentro do pavilhão como um ruído abafado. Os artistas só eram avisados sobre o atentado quando deixavam o palco e de forma discreta. A platéia só foi informada do ocorrido perto do final do show, quando o sanfoneiro e cantor Gonzaguinha subiu ao palco e disse:
- "Pessoas contra a democracia jogaram bombas lá fora para nos amedrontar."
[editar] Desdobramentos
Logo após o fracasso do atentado, a linha dura do Exército e o SNI iniciaram um esforço conjunto para tentar encobrir o caso.
O DOI do Rio de Janeiro (subordinado ao Exército) divulgou um comunicado dizendo que os passageiros do Puma estavam no local a serviço, colhendo dados sobre uma possível ação subversiva. Homens ligados ao Exército informavam aos jornais que os agentes do DOI tinham sido vítimas da bomba, que teria sido posta entre o banco direito e a porta do carro enquanto o capitão tinha ido urinar e o sargento saíra para "esticar as pernas".
Quando se iniciou um Inquérito Policial Militar sobre o caso, o indicado para presidi-lo foi o coronel Luís Antônio do Prado Ribeiro. Pouco tempo depois ele já estava convencido de que os passageiros do carro eram não vítimas, mas sim autores do atentado. No entanto, Ribeiro renunciou à presidência do inquérito. Foi levado a fazê-lo por membros da comunidade de informação, que descobriram que o coronel tinha um caso extra-conjugal.
O coronel Job Lorena de Sant'Anna assumiu em seu lugar. O coronel havia comparecido no enterro de Rosário, onde leu um discurso que declarava que ele fora vítima de um ato terrorista. Job Sant'Anna corroborou a versão divulgada inicialmente pelo Exército, mesmo havendo várias evidências físicas que a desmentiam. Um deles era o fato da genitália do sargento ter sido destruída, o que não aconteceria se a bomba estivesse do lado do banco. Além disso os homens do DOI carregavam duas granadas; imagens dela apareceram inclusive no Jornal Nacional. (Pressionada pelos militares, a Rede Globo voltou atrás e divulgou que as imagens eram de extintores de incêndio).
Outros fatos foram ignorados pelo inquérito. A caminho do hospital, o capitão Machado pediu que telefonassem para um certo número e relatassem o acidente a Aloísio Reis. Esse era um codinome usado pelo coronel Freddie Perdigão, que na época trabalhava no SNI, mas já fora membro do Grupo Secreto (organização radical de direita famosa por usar bombas). O número era de um telefone do DOI.
O Puma que explodiu tinha documentos no nome do capitão Machado, mas a placa era falsa. Isso contraria a afirmação de que estavam a serviço no local, já que nessas situações se usava um carro oficial.
O fracasso na investigação contra a linha dura do regime levou à renúncia de Golbery do Couto e Silva.
Apesar de todas as evidências o caso foi arquivado. Só foi reaberto em 1999, quando o ex-chefe da agência central do SNI disse que soube do atentado uma hora antes que acontecesse. O general Octávio de Medeiros, ex-ministro-chefe do SNI, veio a declarar posteriormente que Newton Cruz sabia do atentado com um mês de antecedência e havia lhe comunicado.
Com a reabertura do caso descobriu-se que Freddie Perdigão foi o planejador do atentado. Ele morreu em 1997, dois anos antes do caso ser reaberto.
O agora coronel Machado foi indiciado em 1999 pela autoria da explosão. O general Newton Cruz foi indiciado no ano 2000 por falso testemunho e desobediência.
[editar] Referências
- Ministério do Silêncio, Lucas Figueiredo, editora Record
- Dez reportagens que abalaram a ditadura, organizado por Fernando Molica. Ed. Record, 2005. O Caso Riocentro mereceu dois capítulos, com a transcrição, comentada pelos próprios autores, das matérias publicadas pelo jornalista Antero Luiz Cunha no estado de São Paulo e por Fritz Utzeri no Jornal do Brasil.
[editar] Ligações externas
- Reportagem de Veja na época
- Exército assume culpa pelo atentado o texto também conta que havia outras bombas no local e que foram desarmadas
- capitão Machado é indiciado
- Newton Cruz é indiciado