Padaria espiritual
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Padaria espiritual (1892 - 1898) foi um movimento de cunho intelectual fundado em 30 de maio de 1892 no Ceará, cujo lema era "alimentar com pão o espírito dos sócios e da população em geral". A instalação contou com programa escrito por Antônio Sales, o qual foi transcrito em um jornal da então capital federal, o Rio de Janeiro, o que deu notoriedade ao movimento. A cada domingo, um jornalzinho de oito páginas chamado O Pão era "amassado" e fez circular 36 números, até que em dezembro de 1898, depois de 6 anos de atividades, a Padaria fecha. Os títulos dos membros desta academia seguiam o padrão usado nas padarias reais:
- Forno: a sede do movimento
- Padeiro-mor: o presidente
- Forneiros: os secretários
- Gaveta: tesoureiro
- Investigador das cousas e das gentes: bibliotecário
- Amassadores: sócios
Em 1992, ano do centenário da Padaria Espiritual, um grupo que reuniu escritores, artistas plásticos, músicos e amantes da arte decidiu por as mãos na massa e voltar a produzir O Pão que, da mesma forma que seu antecessor, passou a oferecer alimento fino para a alma: literatura.
Índice |
[editar] Alguns amassadores
- Adolfo Caminha
- Antônio Bezerra
- Antônio Sales (Padeiro-mor)
- Artur Teófilo
- Cabral de Alencar
- Eduardo Sabóia
- Henrique Jorge
- José Carvalho
- José Maria Brígido
- José Nava
- Juvenal Galeno
- Juvino Guedes
- Leonardo Mota
- Lívio Barreto
- Raimundo Teófilo de Moura
- Roberto de Alencar
- Rodolfo Teófilo
- Sabino Batista
- Temístocles Machado
- Ulisses Batista
[editar] Publicações saídas do Forno
No período de funcionamento, juntamente com o periódico O Pão, foram feitas significativas publicações para a literatura brasileira, tais como:
- Phatos (1893) de Lopes Filho
- Marinhas (1897) de Antônio de Castro
- Flocos (1894) de Sabino Batista
- Contos do Ceará (1894) de Eduardo Sabóia
- Cromos (1895) de X. de Castro
- Trovas do Norte (1895) de Antônio Sales
- Os Brilhantes (1895) de Rodolfo Teófilo
- Dolentes (1897) de Lívio Barreto
- Maria Rita (1897) de Rodolfo Teófilo
- Perfis Sertanejos (1897) de José Carvalho
[editar] Estatutos da Padaria Espiritual
Os Estatutos da Padaria Espiritual, escritos muitos anos antes da Semana de Arte Moderna de 22, deixam claro o caráter pioneiro deste movimento literário modernista, que foi assim o precursor das academias de letras no Brasil. Seguem-se os estatutos:
- Fica organizada, nesta cidade de Fortaleza, capital da "Terra da Luz", antigo Siará Grande, uma sociedade de rapazes de Letras e Artes, denominada Padaria Espiritual, cujo fim é fornecer pão de espírito aos sócios em particular, e aos povos, em geral.
- A Padaria Espiritual se comporá de um Padeiro-Mór (presidente), de dois Forneiros (secretários), de um Gaveta (tesoureiro), de um Guarda-livros na acepção intrínseca da palavra (bibliotecário), de um Investigador das Coisas e das Gentes, que se chamará Olho da Providência, e demais Amassadores (sócios). Todos os sócios terão a denominação geral de Padeiros.
- Fica limitado em vinte o número de sócios, inclusive a Diretoria, podendo-se, porém, admitir sócios honorários que se denominarão Padeiros-livres.
- Depois da instalação da Padaria, só será admitido quem exibir uma peça literária ou qualquer outro trabalho artístico que for julgado decente pela maioria.
- Haverá um livro especial para registrar-se o nome comum e o nome de guerra da cada Padeiro, sua naturalidade, estado, filiação e profissão a fim de poupar-se à Posteridade o trabalho dessas indagações.
- Todos os Padeiros terão um nome de guerra único, pelo qual serão tratados e do qual poderão usar no exercício de suas árduas e humanitárias funções.
- O distintivo da Padaria Espiritual será uma haste de trigo cruzada de uma pena, distintivo que será gravado na respectiva bandeira, que terá as cores nacionais.
- As fornadas (sessões) se realizarão diariamente, à noite, à excepção das quintas-feiras, e aos domingos, ao meio-dia.
- Durante as fornadas, os Padeiros farão a leitura de produções originais e inéditas, de quaisquer peças literárias que encontrarem na imprensa nacional ou estrangeira e falarão sobre as obras que lerem.
- Far-se-ão dissertações biográficas acerca de sábios, poetas, artistas e literatos, a começar pelos nacionais, para o que se organizará uma lista, na qual serão designados, com a precisa antecedência, o dissertador e a vítima. Também se farão dissertações sobre datas nacionais ou estrangeiras.
- Essas dissertações serão feitas em palestras, sendo proibido o tom oratório, sob pena de vaia.
- Haverá um livro em que se registrará o resultado das fornadas com o maior laconismo possível, assinando todos os Padeiros presentes.
- As despesas necessárias serão feitas mediante finta passada pelo Gaveta, que apresentará conta do dinheiro recebido e despendido.
- E proibido o uso de palavras estranhas à língua vernácula, sendo, porém, permitido o emprego dos neologismos do Dr. Castro Lopes.
- Os Padeiros serão obrigados a comparecer à fornada, de flor à lapela, qualquer que seja a flor, com excepção da de chichá.
- Aquele que durante uma sessão não disser uma pilhéria de espírito, pelo menos, fica obrigado a pagar no sábado café para todos os colegas. Quem disser uma pilhéria superiormente fina, pode ser dispensado da multa da semana seguinte.
- O Padeiro que for pegado em flagrante delito de plagio, falado ou escrito, pagará café e charutos para todos os colegas.
- Todos os Padeiros serão obrigados a defender seus colegas da agressão de qualquer cidadão ignáro e a trabalhar, com todas as forças, pelo bem estar mútuo.19) É proibido fazer qualquer referência à rosa de Maiherbe e escrever nas folhas mais ou menos perfumadas dos álbuns.
- Durante as fornadas, é permitido ter o chapéu na cabeça, exceto quando se falar em Homero, Shakespeare, Dante, Hugo, Goethe, Camões e José de Alencar porque, então, todos se descobrirão.
- Será julgada indigna de publicidade qualquer peça literária em que se falar de animais ou plantas estranhos à Fauna e à Flora brasileiras, como: cotovia, olmeiro, rouxinol, carvalho etc.
- Será dada a alcunha de "medonho" a todo sujeito que atentar publicamente contra o bom senso e o bom gosto artísticos.
- Será preferível que os poetas da "Padaria" externem suas idéias em versos.
- Trabalhar-se-á por organizar uma biblioteca, empregando-se para isso todos os meios lícitos e ilícitos.
- Dirigir-se-á um apelo a todos os jornais do mundo, solicitando a remessa dos mesmos à biblioteca da "Padaria".
- São considerados, desde já, inimigos naturais dos Padeiros - o Clero, os alfaiates e a polícia. Nenhum Padeiro deve perder ocasião de patentear seu desagrado a essa gente.
- Será registrado o fato de aparecer algum Padeiro com colarinho de nitidez e alvura contestáveis.
- Será punido com expulsão imediata e sem apelo o Padeiro que recitar ao piano.
- Organizar-se-á um calendário com os nomes de todos os grandes homens mortos, Haverá uma pedra para se escrever o nome do Santo do dia, nome que também será escrito na Ata, em seguida à data respectiva. 30) A "Avenida Caio Prado" é considerada a mais útil e a mais civilizada das instituições que felizmente nos regem, e, por isso, ficará sob o patrocínio da Padaria,
- Encarregar-se-á um dos Padeiros de escrever uma monografia a respeito do incansável educador Professor Sobreira e suas obras.
- A "Padaria" representará ao Governo do Estado contra o atual horário da Biblioteca Pública e indicará um outro mais consoante às necessidades dos famintos de idéias.
- Nomear-se-ão comissões para apresentarem relatórios sobre os estabelecimentos de instrução pública e particular da Capital relatórios que serão publicados,
- A Padaria Espiritual obriga-se a organizar, dentro do mais breve prazo possível, um Cancioneiro Popular, genuinamente cearense.
- Logo que estejam montados todos os maquinismos, a Padaria publicará um jornal que, naturalmente, se chamará O Pão.
- A Padaria tratará de angariar documentos para um livro contendo as aventuras do célebre e extraordinário Padre Verdeixa.
- Publicar-se-á , no começo de cada ano, um almanaque ilustrado do Ceará contendo indicações uteis e inúteis, primores literários e anúncios de bacalhau.
- A Padaria terá correspondentes em todas as capitais dos países civilizados, escolhendo-se para isso literatos de primeira água.
- As mulheres, como entes frágeis que são, merecerão todo o nosso apoio excetuadas: as fumistas, as freiras e as professoras ignorantes.
- A Padaria desejaria muito criar aulas noturnas para a infância desvalida; mas, como não tem tempo para isso, trabalhará por tornar obrigatório a instrução pública primada.
- A Padaria declara desde já guerra de morte ao bendegó do "Cassino".
- É expressamente proibido aos Padeiros receberem cartões de troco dos que atualmente se emitem nesta Capital.
- No aniversário natalício dos Padeiros, ser-lhes-á oferecida uma refeição pelos colegas.
- A Padaria declara embirrar solenemente com a secção "Para matar o tempo" do jornal "A Republica", e, assim, se dirigirá à redação desse jornal, pedindo para acabar com a mesma secção.
- Empregar-se-ão todos os meios de compelir Mané Coco a terminar o serviço da "Avenida Ferreira".
- O Padeiro que, por infelicidade, tiver um vizinho que aprenda clarineta, pistom ou qualquer outro instrumento irritante, dará parte à Padaria que trabalhará para pôr termo a semelhante suplício.
- Pugnar-se-á pelo aformoseamento do Parque da Liberdade, e pela boa conservação da cidade, em geral.
- Independente das disposições contidas nos artigos precedentes, a Padaria tomará a iniciativa de qualquer questão emergente que entenda com a Arte, com o bom Gosto, com o Progresso e com a Dignidade Humana.
- Amassado e assado na "Padaria Espiritual", aos 30 de Maio de 1892.
- Seguem-se as assinaturas dos padeiros presentes, em número de dezoito, faltando, portanto, duas assinaturas.
[editar] Sobre a Padaria
- Livro: Padaria Espiritual : biscoito fino e travoso (2002), de Gleudson Passos Cardoso, publicado em Fortaleza, pelo Museu do Ceará: Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará. O livro conta sobre o contexto histórico que fez nascer a Padaria Espiritual.
- Documentário: O Antônio da Padaria (1999), de Karla Holanda, com duração de 15 minutos, conta com depoimentos de Sânzio de Azevedo e Rachel de Queiroz.