José G. Merquior
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José Guilherme Merquior (Rio de Janeiro, Brasil, 22 de Abril 1941 - 1991) foi um diplomata profissional brasileiro, um professor universitário, um erudito e um pensador, definindo-se politicamente como um social-liberal. Um escritor prolífico, foi membro da Academia Brasileira de Letras. Publicou pela Editora Oxford e era reconhecido nos altos círculos acadêmicos europeus, travando contato e amizade com diversos intelectuais de renome. Ernest Gellner foi orientador da sua tese de doutoramento em sociologia pela London School of Economics (o seu terceiro doutoramento). Polímata humanista, escrevia com autoridade e enorme erudição sobre quase todos os temas das Ciências Humanas, tendo iniciado seu ofício público de escritor como crítico literário. O alicerce de sua obra escrita é o que se chamaria de Culturologia, ou mais especificamente, História das Idéias, menos como tributária do monismo de Arthur Lovejoy, e mais da Geistgeschichte alemã.
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[editar] Obituário
Obituário de José Guilherme Merquior por Ernest Gellner, tradução do inglês
José Merquior foi um diplomata profissional brasileiro, um professor universitário, um erudito e um pensador, e um escritor prolífico.
Seria fácil dizer que ele era o académico que se distingue entre diplomatas e o diplomata que se distingue entre os académicos. Mas havia nele muito mais do que isso. A sua erudição era de facto extraordinária: a sua grande paixão era a história das ideias e o desenvolvimento do pensamento acerca do homem e da sociedade, e nestes campos ele fez questão de se assegurar que tinha lido e compreendido tudo. É de duvidar que algo lhe tenha escapado. Poucos académicos igualam-no pela amplitude do seu conhecimento. À medida que ele se movia de um posto diplomático para outro - Paris, Bona, Londres, Montevideu, Cidade do México, Paris outra vez - os problemas logísticos de transportar a sua soberba biblioteca devem ter drenado os recursos mesmo que tão abundantes como os do ministério de negócios estrangeiros. A biblioteca de José não servia de montra mas sim para ser usada. A sua alma estava inquestionavelmente localizada ali.
Quando ele chegou a seu posto em Londres, o Brasil ainda era uma ditadura militar (as personalidades pareciam ser conhecidas geralmente pela função que desempenhavam e pelo seu ranking militar), e ao mesmo tempo a américa latina era ainda a próxima terra prometida para a esquerda romântica internacional, antecipando com esperança uma nova onda de revoluções ao estilo Che Guevara. . .
Superficialmente, isto poderá parecer paradoxal mas é um facto. Ele tinha chegado da "casa quente" das aulas de Lévi-Strauss em Paris - onde caracteristicamente ele obtivera o seu segundo doutoramento - e rapidamente preparava-se para começar um terceiro, procurando um mundo similar em londres. Com Levi-Strauss era mais o fogo-de-artifício que o tinha atraido do que a etnografia. Talvez Londres não oferecesse um equivalente e logo Merquior criou o seu. As suas festas fulminavam de humor filosoficamente bem informado.
Aqueles que o conheceram apenas superficialmente podem tê-lo ocasionalmente sub-estimado. Podem ter visto nele um espécime particularmente charmante do eixo cultural Rio-Paris, no qual filhos das melhores famílias brasileiras submergiam na última onda parisiense.
Alguns dos seus escritos da juventude suportam este tipo de sentença: ele tinha lido tudo, sumarizava com elegância e passados três parágrafos despedia-se com um aforismo e prosseguia para lidar com a próxima vítima, afectuosamente dissecada, muito como numa festa alguém apresenta um convidado com uma magnânime, gentil mas anódina descrição antes de se virar para o próximo convidado que se aproxima.
Mas há mais, muito mais em José Merquior do que isso. Por debaixo do elegante diplomata intelectual ou intelectual diplomata havia um pensador extremamente sério e penetrante, muito dado a sóbrias e impiedosas dissecações das ilusões da sua época e do seu meio. Particularmente memorável, por exemplo, foi um ensaio contendo um brutal ajuste de contas com a Teoria da dependência, outrora um diagnóstico muito apreciado das doenças da América Latina e de outras partes do mundo.
Ele comentou que esta teoria tinha coração mas era uma perpetuação em termos económicos e macro-sociológicos, da auto-comiseração colectiva latino-americana, em nova versão que simplesmente substitui os Conquistadores pelo capital norte-americano. O seu trabalho sobre o neo-marxismo, que permanece, teve uma semelhante qualidade.
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Aqui encontramos a marca indelével do seu trabalho: a preocupação de compreender e assistir as forças que poderão apoiar uma sociedade estável, liberal, participatória no mundo em vias de desenvolvimento, na qual bens e valores morais estejam melhor distribuidos.
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O seu posto na embaixada brasileira em londres coincidiu com a "abertura", a transformação de um regime autoritário e paternalista num regime que se rende à liberdade, ao estado de direito e à ortodoxia económica. Enquanto que o embaixador brasileiro se preocupava especialmente com o lado económico, Merquior orquestrava os aspectos culturais, políticos e ideológicos. A consequência foram uma série de conferências e seminários que possibilitaram que os intelectuais que ele conheceu tão bem na Europa se pudessem encontrar, para variar, à beira de uma piscina em Brasília ou numa praia no Rio, em vez de uma festa no West End. Eles incluiam desde conservadores até aos líderes do neo-marxismo e receberam uma grande audiência, e as operações largamente publicitadas ajudaram a tornar claro que a "abertura" era real.
Como embaixador do Brasil no México, ele representava um dos dois países com as maiores dívidas públicas mundiais no outro, uma tarefa que seguramente não é trivial (apesar de a não ter impedido nem diminuido o fluxo de sua escrita e leitura). Foi membro da academia brasileira,...
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Deixa uma viúva cujo grande charme, humor irónico e saudável senso-comum foram inquestionavelmente um grande suporte do seu trabalho e seu pensamento.
[editar] Ver também
[editar] Bibliografia em português:
- 1963: Poesia do Brasil, (antologia com Manuel Bandeira)
- 1965: Razão do Poema
- 1969: Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin
- 1972: A astúcia da mímese
- 1972: Saudades do Carnaval
- 1974: Formalismo e tradição moderna
- 1975: O estruturalismo dos pobres e outras questões
- 1975: A estética de Lévi-Strauss
- 1976: Verso e universo de Drummond
- 1977: De Anchieta a Euclides
- 1980: O fantasma romântico e outros ensaios
- 1981: As idéias e as formas
- 1982: A natureza do processo
- 1983: O argumento liberal
- 1983: O elixir do Apocalipse
- 1985: Michel Foucault ou O niilismo da cátedra
- 1987: O marxismo ocidental
- 1990: Crítica
- 1990: Rousseau e Weber: dois estudos sobre a teoria da legitimidade
- 1991: De Praga a Paris: uma crítica do estruturalismo e do pensamento pós-estruturalista
- 1991: O liberalismo, antigo e moderno
- 1997: O véu e a máscara
[editar] Bibliografia em inglês:
- 1979: The veil and the mask: Essays on culture and ideology
- 1980: Rousseau and Weber: Two studies in the theory of legitimacy
- 1987: From Prague to Paris: A Critique of Structuralist and Post-Structuralist Thought
- 1991: Western Marxism
- 1991: Liberalism, Old and New
- 1991: Foucault
[editar] Bibliografia em espanhol:
- 2005: El Comportamiento de Las Musas: Ensayos sobre literatura brasileña y portuguesa. 1964-1989
[editar] Referências e apontadores externos
- Roberto Campos conheceu José Merquior e Ernest Gellner e conta aqui algumas anedotas dos encontros em Londres, numa "crespa noite de inverno londrino". - "Eu tinha convidado para um jantar na embaixada brasileira, ao fim dos anos 70, o grande filósofo liberal francês Raymond Aron e dois sociólogos radicados na Inglaterra, Ralf Dahrendorf e Ernest Gellner, este último professor de José Guilherme Merquior, meu conselheiro de embaixada"... (artigo Leis da política (19/12/1999))