Literatura de cordel
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
A literatura de cordel é um tipo de poesia popular, originalmente oral, e depois impressa em folhetos rústicos expostos para venda pendurados em cordas ou cordéis, o que deu origem ao nome. São escritos em forma rimada e alguns poemas são ilustrados com xilogravuras, o mesmo estilo de gravura usado nas capas. As estrofes mais comuns são as de dez, oito ou seis versos. Os autores, ou cordelistas, recitam esses versos de forma melodiosa e cadenciada, acompanhados de viola.
Índice |
[editar] Histórico
A história da literatura de cordel começa com o romanceiro luso-espanhol da Idade Média e do Renascimento. O nome cordel está ligado à forma de comercialização desses folhetos em Portugal, onde são pendurados em cordões, lá chamados de cordéis. Inicialmente, eles também contém peças de teatro, como as de autoria de Gil Vicente (1465-1536). São os portugueses que trazem o cordel para o Brasil, na segunda metade do século XIX. Hoje muitos folhetos ficam expostos horizontalmente em balcões ou tabuleiros. Embora seja pouco freqüente, também há criações de cordel em prosa. Esse tipo de literatura popular existe também na Sicilia (Itália), na Espanha, no México e em Portugal. Na Espanha é chamada de pliego de cordel ou pliegos sueltos (folhas soltas).
Os temas incluem fatos do cotidiano, episódios históricos, lendas e temas religiosos. As façanhas do cangaceiro Lampião (Virgulino Ferreira da Silva, 1900-1938) e o suicídio do presidente Getúlio Vargas (1883-1954) são alguns dos assuntos de cordéis de maior tiragem. É comum os autores criarem seus versos improvisadamente diante de um acontecimento ou uma pessoa que queiram homenagear. As formas variaram pouco ao longo do tempo.
No Brasil, a literatura de cordel é produção típica do Nordeste, sobretudo no estados de Pernambuco, da Paraíba e do Ceará. Costuma ser vendida em mercados e feiras pelos próprios autores. Em outros Estados, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, é encontrada em feiras de produtos nordestinos. Nos grandes centros, já há impressões mais sofisticadas. Mas de modo geral a produção está em declínio.
Os poetas Leandro Gomes de Barros (1865-1918) e João Martins de Athayde (1880-1959) estão entre os principais autores.
Pelo fato de ser literatura distribuída nas ruas, feiras e botequins, pelo tipo de literatura a que se dedica (essencialmente poesia popular, mas também romances sentimentais) e pelo tipo de linguagem em que circula (bastante simples, com os traços da fala coloquial, e próxima do modo de falar do povo do sertão), a literatura de cordel foi, durante muito tempo, pouco apreciada. Todavia, este tipo de literatura apresenta vários aspectos interessantes e dignos de destaque:
- as suas gravuras, chamadas xilogravuras, representam um importante espólio do imaginário popular;
- pelo fato de funcionarem como divulgadoras da arte do cotidiano, das tradições populares e dos autores locais (lembre-se a vitalidade deste género ainda no nordeste do Brasil), a literatura de cordel é de inestimável importância na manutenção das identidades locais e das tradições literárias regionais, contribuindo para a manutenção do folclore nacional;
- pelo fato de poderem ser lidas em sessões públicas e de atingirem um número elevado de exemplares distribuídos, ajudam na disseminação de hábitos de leitura e lutam contra o analfabetismo;
- a tipologia de assuntos que cobrem, crítica social e política e textos de opinião, elevam a literatura de cordel ao estandarte de obras de teor didáctico e educativo.
[editar] Poética
[editar] Quadra
Arte Poét. Estrofe de quatro versos.
[editar] Quadrão
Oitava de poesia popular, cantada, na qual os três primeiros versos rimam entre si, o quarto com o oitavo, e o quinto, o sexto e o sétimo também entre si.
A quadra é mais usada com sete sílabas. Obrigatoriamente tem que haver rima em dois versos (linhas). Cada poeta tem seu estilo. Um usa rimar a segunda com a quarta.Ex:
- Minha terra tem palmeiras
- Onde canta o sabiá (2)
- As aves que aqui gorjeiam
- Não gorjeiam como lá (4).
Outro prefere rimar todas as linhas, alternando ou saltando. Pode ser a primeira com a terceira e a segunda com a quarta, ou a primeira com a quarta e a segunda com a terceira. Vejamos estes exemplos de Zé da Luz: (ABAB ou ABBA)
- E nesta constante lida
- Na luta de vida e morte
- O sertão é a própria vida
- Do sertanejo do Norte
- Três muié, ou três irmã
- Três cachorra da mulesta
- Eu vi nun dia de festa
- No lugá Puxinanã.
[editar] Sextilha
Arte Poét. Estrofe ou estância de seis versos. Estrofe de seis versos de sete sílabas, com o segundo, o quarto e o sexto rimados; verso de seis pés, colcheia, repente. Estilo muito usado nas cantorias, onde os cantadores fazem alusão a qualquer tema ou evento e usando o ritmo de baião.
Ex:
- Quem inventou esse “S”
- Com que se escreve sauDAde 1
- Foi o mesmo que inventou
- O “F” da falsiDAde 2
- E o mesmo que fez e “I”
- Da minha infeliciDAde 3
Numa noite de São João o poeta vê um balão subir e solta estes versos:
- Ó que balão luminoso,
- Quanta beleza naquILO!
- Enquanto ele vai singrando
- O firmamento tranqüILO,
- Meus olhos se agarram nele
- Como querendo impedI-LO
Notem-se as rimas. Na primeira estrofe, a rima é DA e na segunda é QUIlo e DIlo, sendo que não se conta a última silaba. Cada linha tem sete silabas.
[editar] Setilha
Estrofe (rara) de sete versos; setena(de sete em sete). Estilo muito usado por Zé Limeira, o Poeta do Absurdo.
- Eu me chamo Zé Limeira
- Da Paraiba falada
- Cantando nas escritura
- Saudando o pai da coaiada
- A lua branca alumia
- Jesus, Jose e Maria
- Três anjos na farinhada.
- Napoleão era um
- Bom capitão de navio
- Sofria de tosse braba
- No tempo que era sadio,
- Foi poeta e demagogo
- Numa coivara de fogo
- Morreu tremendo de frio.
Na setilha ele usa o estilo de rimar a segunda linha com a quarta e a sétima e a quinta com a sexta, deixando livres a primeira e a terceira.
[editar] Oitava
Arte Poét. Estrofe ou estança (grupo de versos que apresentam, comumente, sentido completo) de oito versos: oito-pés-em-quadrão. Oitavas-a-quadrão.
Como o nome já sugere, a oitava é composta de oito versos, ou oito linhas ou duas quadras, com sete sílabas. A rima na oitava difere das outras. O poeta usa rimar a primeira com a segunda e terceira, a quarta com a quinta e oitava e a sexta com a sétima. Todas as estrofes são encerradas com o verso: Nos oito pés a quadrão. Vejamos versos de uma contaria entre José Gonçalves e Zé Limeira: - (AAABBCCB)
Gonçalves:
- Eu canto com Zé Limeira
- Rei dos vates do Teixeira
- Nesta noite prazenteira
- Da lua sob o clarão
- Sentindo no coração
- A alegria deste canto *
- Por isso é que eu canto tanto *
- NOS OITO PÉS A QUADRÃO
Limeira:
- Eu sou Zé Limeira e tanto
- Cantando por todo canto
- Frei Damião já é santo
- Dizendo a santa missão
- Espinhaço e gangão
- Batata de fim de rama *
- Remédio de velho é cama *
- NOS OITO PÉS A QUADRÃO.
[editar] Décima
Estrofe de 10 versos de sete sílabas, cujo esquema rimático é, mais comumente, ABBAACCDDC, empregada sobretudo na glosa dos motes, conquanto se use igualmente nas pelejas e, com menos freqüência, no corpo dos romances.
Geralmente nas pelejas é dado um mote para que os violeiros se desdobrem sobre o mesmo. Vejamos e exemplo com José Alves Sobrinho e Zé Limeira:
- Mote:
- VOCÊ HOJE ME PAGA O QUE TEM FEITO
- COM OS POETAS MAIS FRACOS DO QUE EU.
- Sobrinho:
- Vou lhe avisar agora Zé Limeira <A
- Dizem que quem avisa amigo é >B
- Vou lhe amarrar agora a mão e o pé >B
- E lhe atirar naquela capoeira <A
- Pra você não dizer tanta besteira <A
- Nesta noite em que Deus nos acolheu >C
- Você hoje se esquece que nasceu >C
- E se lembra que eu sou bom e perfeito >D
- Você hoje me paga o que tem feito >D
- Com os poetas mais fracos do que eu. >C
- Zé Limeira:
- Mais de trinta da sua qualistria
- Não me faz eu correr nem ter sobrosso
- Eu agarro a tacaca no pescoço
- E carrego pra minha freguesia
- Viva João, viva Zé, viva Maria
- Viva a lua que o rato não lambeu
- Viva o rato que a lua não roeu
- Zé Limeira só canta desse jeito
- Você hoje me paga o que tem feito
- Com os poetas mais fracos do que eu.
===Galope à beira-mar=== Bras. Liter. Pop.
Estrofe de 10 versos hendecassílabos (que tem 11 sílabas), com o mesmo esquema rimático da décima clássica, e que finda obrigatoriamente com o refrão "correndo e cantando na beira-mar", ou "cantando galope na beira do mar". Às vezes, porém, o primeiro, o segundo, o quinto e o sexto versos da estrofe são heptassílabos, e o refrão é "meu galope à beira-mar". É considerado o mais difícil gênero da cantoria nordestina, obrigatoriamente tônicas as segunda, quinta, oitava e décima primeira sílabas.
- Sobrinho:
- Provo que eu sou navegador romântico
- Deixando o sertão para ir ao mirífico
- Mar que tanto adoro e que é o Pacífico
- Entrando depois pelas águas do Atlântico
- E nesse passeio de rumo oceânico
- Eu quero nos mares viver e sonhar
- Bonitas sereias desejo pescar
- Trazê-las na mão pra Raimundo Rolim
- Pra mim e pra ele, pra ele e pra mim
- Cantando galope na beira do mar.
- Limeira:
- Eu sou Zé Limeira, caboco do mato
- Capando carneiro no cerco do bode
- Não gosto de feme que vai no pagode
- O gato fareja no rastro do rato
- Carcaça de besta, suvaco de pato
- Jumento, raposa, cancão e preá
- Sertão, Pernambuco, Sergipe e Pará
- Pará, Pernambuco, Sergipe e Sertão
- Dom Pedro Segundo de sela e gibão
- Cantando galope na beira do mar.
[editar] Martelo
Estrofe composta de decassílabos, muito usada nos versos heróicos ou mais satíricos, nos desafios. Os martelos mais empregados são o gabinete e o agalopado.
===Martelo agalopado=== - Estrofe de dez versos decassílabos, de toada violenta, improvisada pelos cantadores sertanejos nos seus desafios.
Martelo de seis pés, galope - Estrofe de seis versos decassilábicos. [Tb. se diz apenas agalopado.
[editar] Redondilha
- Antigamente, quadra de versos de sete sílabas, na qual rimava o primeiro com o quarto e o segundo com o terceiro, seguindo o esquema abba.
- Hoje, verso de cinco ou de sete sílabas, respectivamente redondilha menor e redondilha maior.
[editar] Carretilha
Literatura popular brasileira - Décima de redondilhas menores rimadas na mesma disposição da décima clássica; miudinha, parcela, parcela-de-dez.
[editar] Métrica e Rima
- Métrica:
Arte Poét. Arte que ensina os elementos necessários à feitura de versos medidos. Sistema de versificação particular a um poeta. Contagem das silabas de um verso. Verso é a linguagem medida. Para medir devemos ajuntar as palavras em número prefixado de pés. Chama-se pé uma silaba métrica. O verso português pode ter de duas a doze silabas. Os mais comuns são os de seis, sete, oito, dez e doze pés. Como o verso mais comum, mais espontâneo é o de sete pés, comecemos nele a contagem métrica.
Ex:
- Minha terra tem palmeiras
- Onde canta o sabiá
- As aves que aqui gorjeiam
- Não gorjeiam como lá.
Eis como se contam as silabas:
Mi | nha | ter | ra |tem | pal | mei|
Não conto a silaba final “ras” porque o verso acaba no último acento tônico. O verso a quem sobra uma silaba final chama-se grave. Aquele a quem sobram duas silabas finais chama-se esdrúxulo. O terminado por palavra oxítona chama-se agudo, como o segundo e o quarto do exemplo supra. Eis como se decompõe o segundo verso:
On | de | can | ta o | sa | bi |á|
Nesse verso “ta o” se lêem como t’o formando um pé, pela figura sinalefa (fusão) . Sabiá, modernamente, se deve contar dissílabo, porque biá, em duas silabas, forma hiato. Em geral devemos sempre evitar o hiato, quer intraverbal, quer interverbal. Os autores antigos e os modernos pouco escrupulosos toleram muitos hiatos.
-
- Sinalefa:
Figura pela qual se reúnem duas sílabas em uma só, por elisão, crase ou sinérese.
-
- Sinérese:
Contração de duas sílabas em uma só, mas sem alteração de letras nem de sons, como, p. ex., em reu-nir, pie-da-de, em vez de re-u-nir, pi-e-da-de.
As| aves | que a| qui | gor| jei |
Não | gor | jei| am | co | mo | lá |
No caso o verso é um setissílabo, porque só contamos sete sílabas. Se colocarmos uma silaba a mais ou a menos em qualquer dos versos, fica dissonante e perde a beleza e harmonia.
Vale lembrar que quando a palavra seguinte inicia com vogal, dependendo do caso, pode haver a junção da silaba da primeira com a segunda, como se faz na língua francesa. Ex:
Para verificar a quantidade de silabas podemos contar nos dedos. Vejamos neste trechinho de Patativa do Assaré:
Nes | ta | noi | te | pas | sa | gei | ra
1 2 3 4 5 6 7
Há | coi| sa | que | mui | to | pas | ma
1 2 3 4 5 6 7
Um mote:
Vou | fa | zer | se | re | na | ta | na | cal | ça | da
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Da | me | ni | na | que a | mei | na | mi | nha | vi | da
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
- Rima
-
- Rimas consoantes:
Arte Poét. As que se conformam inteiramente no som desde a vogal ou ditongo do acento tônico até a última letra ou fonema. Ex.: fecundo e mundo; amigo e contigo; doce e fosse; pálido e válido; moita e afoita.
-
- Rimas toantes:
Arte Poét. Aquelas em que só há identidade de sons nas vogais, a começar das vogais ou ditongos que levam o acento tônico, ou, algumas vezes, só nas vogais ou ditongos da sílaba tônica. Ex.: fuso e veludo; cálida e lágrima; "Sem propósito de sonho / nem de alvoradas seguintes, / esquece teus olhos tontos / e teu coração tão triste." Cecília Meireles, Obra Poética, p. 516).
No caso da literatura de cordel nordestina, faz parte da tradição do gênero o uso de rimas consoantes. Se um folheto de cordel usa rimas toantes, o conhecedor de cordel pensa logo que o autor daquele folheto desconhece a existência destas regras. Um cordel escrito assim pode até ser um grande poema, mas não se pode dizer que se trata de 'um cordel autêntico', assim como um automóvel da Ferrari com motor Rolls-Royce não é 'uma Ferrari autêntica'.
[editar] Veja ainda
[editar] Bibliografia
- Dicionário Aurélio
- Português prático – Sivadi Editorial
- Verso e Viola
- Revista Agulha
- Sonetos