Rei Artur
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O Rei Artur é uma figura da história inglesa, de historicidade discutida. Embora não existam muitos dados concretos sobre a figura, foi muito o que se escreveu sobre ele.
Em princípios do século V, o imperador de Roma, Honório, já farto das revoltas da província da Bretanha, mandou retirar as legiões e quadros administrativos dessa provincia; essas legiões deviam ser comitenses, tropas móveis (uma vez que se sabe que as tropas junto à muralha de Adriano continuaram a cumprir o seu dever mesmo sem um império a quem servir).
A partir daí de facto pouco se sabe, sendo a principal fonte um monge bretão do século VI, Gildas.Gildas alem de tudo um monge muito forte e de conhecimento da magia negra e branca ajudou Artur em muitas de suas batalhas defendendo e protegendo-o.
Os pictos do norte e os irlandeses do oeste começaram a lançar ataques cada vez mais atrevidos; em meados do século V, um rei Voltigern pede ajuda a saxões do continente para combater essas ameaças, mas rapidamente os mercenários decidem passar a combater por conta própria para conquistar esse país tão fértil (pelo menos do seu ponto de vista), chamando mais tropas do continente.
A situação estava estacionária quando, em finais do século V, Ambrosius Aurelianus, um romano da Bretanha (seja o que for que esse termo implique décadas depois da partida de Roma) consegue numa batalha esmagadora deter os saxões, a célebre Mons Badicus. Por algumas décadas a maré saxã parece ser detida (os achados arqueológicos demonstram-no), mas a incapacidade dos bretões em se manter unidos permite os saxões resistirem, depois lançarem-se novamente ao ataque. Na segunda metade dão-se uma série de batalhas que destroem primeiro os reinos celtas do sul, depois são os do norte, até os celtas ficarem reduzidos à Cornualha, Gales e mais uns enclaves. A Inglaterra ia começar.
Depois da destruição dos reinos celtas, só existem novamente fontes com Beda o venerável em princípios do século VIII. Infelizmente, as informações que ele fornece para o período de Artur são copiadas de Gildas e os seus próprios dados começam só por volta de 600 com as missões católicas aos reinos saxões.
Em pleno século VIII temos informações relevantes vindas de um Bretão, Nennius. Finalmente o nome de Artur é referido (não é certo pela 1ª vez, mas sim relacionado com os factos correctos). É descrito como um comandante militar que teria vencido 12 batalhas contra os saxões sendo a mais gloriosa Badon Hill (sendo assim ignorado Ambrosius). O problema desta fonte é que, segundo os historiadores, Nennius tinha uma certa tendência a “preencher” as lacunas com factos inventados por ele. Isso não significa que ele tenha inventado tudo, mas que pode ter embelezado ou distorcido conforme as necessidades.
No século X surgem as “Annales Cambriae” uma cronologia (de origem galesa podemos agora dizer e não bretã) bastante sucinta. Para o ano 516 regista a vitória de Artur contra os saxões e em 537 regista a morte de Artur e Medraut (o futuro Mordred, embora não seja dito que eles fossem inimigos) numa batalha. Por curiosidade, na entrada de 573 é referido que Merlin enlouqueceu, não é dito que é um mágico, bardo ou o que quer que seja mas apenas que enlouqueceu. Artur continua a ser referido como um chefe militar mas não como um rei.
Ora acima foi dito que o nome de Artur já era referido antes de Nennius o descrever. De facto, nalgumas baladas galesas que remontam ao século VII, o nome de Artur como rei aventureiro no norte da Bretanha surge, mas nenhuma informação concreta é fornecida (para além de que enfrentava seres fantásticos e corrigia injustiças). Quanto muito ficamos a saber que o imaginário popular já se apoderara dele e retirando todo o contexto real lhe dera uma nova dimensão (como Mircea Elliade tão bem se apercebeu com outras figuras). Essas baladas teriam a mais bela concretização no Mabinogion.
As crónicas anglo-saxónicas sendo muito posteriores (começaram a ser compiladas no século IX e vão até ao século XII) descrevem todo o processo de destruição progressiva dos bretões (embora omitindo as suas próprias derrotas) mas não referem os nomes dos líderes bretões, o que é uma forte lacuna.
E assim chegamos a Geoffrey de Monmouth. É do século XII e o último autor que diz estar a fazer história. Argumentou que utilizou um livro vermelho em língua bretã de onde tirou todas as suas informações (não se pode negar ou aceitar mas era hábito da época justificar-se que se tinha uma fonte mais antiga). Ele vai acabar por dar alguns dos últimos acrescentos da futura lenda arturiana. Incorpora Uther Pendragon (pai de Artur) como irmão de Aurelius Ambrosius, refere a célebre passagem em que Merlin disfarça Uther com o aspecto do marido de Igraine, Mordred é já inimigo de Artur (mas apenas sobrinho e não filho incestuoso), Artur conquista o império romano, etc. Estamos de facto nos domínios da literatura.
Em finais do século XII Chrétien de Troyes, um francês, escreve contos sobre as aventuras do rei Artur, Lancelot, Guinivera, Gawain, Perseval. Sabe-se que Artur e os seus cavaleiros eram personagens populares na época e as histórias a partir da Bretanha de língua céltica e de Gales tinham-se espalhado por outros países. Mas Chrétien, apropriando-se de mitos conhecidos, dá-lhe um cunho pessoal e sobretudo ficam guardados para a posterioridade. A partir daí, é um nunca mais terminar: o ciclo da vulgata francesa, o Parzival alemão, o La mort d’Artur de sir Mallory só para citar os mais conhecidos. Alguns escrevem sobre todo o ciclo desde a morte de Jesus Cristo até à morte de Artur, criando uma narrativa de séculos, outros descrevem apenas episódios que acontecem a cavaleiros. São incorporados mitos exteriores sem ligação inicial (a história de Tristão e Isolda, o mito do Graal,A Távola Redonda, Tintagel), novas personagens são criadas (Galahad). As obras são traduzidas para todas as línguas do ocidente cristão, reescritas, fundidas, influenciando muito a maneira de pensar (ou pelo menos o conceito do que deveria ser o ideal) dos cavaleiros. No século XVII dá-se uma certa diminuição do interesse, mas não muito, pois na ópera continua-se a pegar no tema. E o romantismo do século XIX com o seu interesse na Idade Média restaura o interesse (até escritores americanos como Mark Twain o fazem). O século XX, graças ao cinema e desenhos animados, completa o trabalho, mantendo o interesse vivo e permitindo que um maior público tenha acesso; os grupos neo-pagãos também tentam apropriar-se da lenda devido ao seu lado mais místico (centrando-se em Morgana, Viviane e Merlin por contraposição ao elemento cristão).
Os historiadores, depois de terem feito uma critica feroz aos mitos arturianos, chegando mesmo a negar a sua existência, limitam-se a uma prudente reserva. O que nos fica então para além de uma belas histórias? Não podemos afirmar com toda a certeza que Artur existiu, pois não existem relatos contemporâneos.
Os arqueólogos, com as limitações que a ausência de registos implica, preferem falar dum período sub-romano para definir aquilo que é o período arturiano: séculos V e VI. Artur era de facto um nome até relativamente vulgar na época. Sabe-se que um comandante romano de um destacamento sármata do século II na Bretanha tinha esse nome. Outras figuras antes e depois do “Artur” que nos interessa tinham esse nome. Uma divindade do norte também tinha um nome semelhante. Os nomes de origem romana ainda comuns nos séculos V e VI nas crônicas vão progressivamente desaparecendo à medida que, empurrados para Gales, os celtas vão-se tornando galeses. Teria sido criado um herói a partir dos feitos de várias personagens que foram amalgamados pela memória colectiva? Ou de facto houve alguém que guerreou os saxões depois de Ambrosius e conseguiu depois adquirir um estatuto lendário? Ou nunca existiu ninguém assim e aos poucos surgiu uma lenda que foi crescendo? São várias as hipóteses mas nenhuma pode-se impor de momento. Os arqueólogos tentam descobrir o corpo do Rei Artur. Se o descobrirem saberão se ele foi uma lenda ou verdadeiro herói.
Texto original usado com autorização, de http://www.tempore.blogspot.com