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Zaratustra

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1. Vida de Zaratustra

Zaratustra, mais conhecido na versão grega de seu nome, Zωροάστρης (Zoroastres), foi um profeta nascido na Pérsia (atual Irã), provavelmente em meados do século VII a.C. Ele foi o fundador do masdeísmo, religião adotada oficialmente pelos Aquemênidas (558 – 330 a.C). A denominação grega Ζωροάστρης significa “contemplador de astros”; é uma corruptela de Avestan Zarathustra (em persa moderno: Zartosht ou زرتشت). A influência de Zaratustra no mundo grego ocorreu por meio dos magos que emigraram do Oriente. O significado do nome é obscuro, ainda que, certamente, contenha a palavra ushtra (camelo).


Zaratustra, nascido de uma virgem, deu uma grande gargalhada ao nascer. A natureza inteira se regozijou com a sua vinda ao mundo. Desde tenra idade, ele possuía uma sabedoria extraordinária, manifestada em sua conversação e em sua maneira de ser. Aos sete anos já teria começado a cultivar o silêncio. A sua vida foi salva muitas vezes dos inimigos que queriam martirizá-lo a fim de que não chegasse à maturidade e cumprisse a sua missão divina. Aos quinze anos de idade, Zaratustra realizou valiosas obras religiosas e chegou a ser conhecido por sua grande bondade para com os pobres, anciãos, enfermos e animais.


Dos 20 aos 30 anos, segundo narrativas que chegaram a nós, Zaratustra viveu quase sempre isolado, habitando no alto de uma montanha, em cavernas sagradas; não ingeria nenhum alimento de origem animal. Em outros relatos, teria ido ao deserto, onde fora tentado pelo diabo, mas não sucumbiu à tentação – de modo semelhante a Jesus, nos 40 dias de provação no deserto. Após sete anos de solidão completa, regressou ao seu povo, e com a idade de 30 anos recebeu a revelação divina por meio de sete visões ou idéias.


Assim começou Zaratustra a sua missão aos 40 anos (a mesma idade em que o Zaratustra de Nietzsche iniciou a dele). Segundo os masdeístas (adeptos da religião do Irã antigo, revelada ao profeta Zoroastro, e que admite dois princípios: um, bom, deus de luz, criador, e o outro, mau, deus das trevas e da morte, que travam um combate decisivo para o destino da humanidade), encontrou muita dificuldade para converter as pessoas à sua nova religião. Em dez anos de pregação teve somente um crente: o seu primo. Durante este período, o chamado de Zaratustra foi como uma voz no deserto. Ninguém o escutava. Ninguém o entendia.


Foi perseguido e hostilizado pelos sacerdotes e por toda a sorte de inimigos ao longo de dez anos. Os príncipes recusaram dar-lhe apoio e proteção e encarceraram-no porque a sua nova mensagem ameaçava a tradição e causava confusão nas mentes de seus súditos. Com 40 anos, realizou milagres e preocupava-se com a instrução do povo. Converteu o rei Vishtaspa, que se tornou um fervoroso seguidor da religião por ele pregada, iniciando a verdadeira difusão dos ensinamentos de Zaratustra e de uma grande reforma religiosa.


Logo em seguida, a corte real seguiu os passos do rei e, mais tarde, o masdeísmo chegou a ser a religião oficial da Pérsia. No império dos reis Sassânidas, principalmente no de Ardashir (227 a.C.), o chefe religioso era a segunda pessoa no Estado depois do imperador soberano e este, inteiramente de acordo com o antigo costume, era admitido como divino ou semidivino, vivendo em particular intimidade com Ormuzde. Aos 77 anos de idade, ele teria morrido assassinado enquanto rezava no templo, diante do fogo sagrado. Segundo alguns relatos, o seu túmulo estaria em Persépolis.


2. Cosmologia


Na doutrina zaratustriana, antes de o mundo existir, reinavam dois espíritos ou princípios antagônicos: os espíritos do Bem (Ahura Mazda, Spenta Mainyu, ou Ormuzde) e do Mal (Angra Mainyu ou Arimã). Divindades menores, gênios e espíritos ajudavam Ormuzde a governar o mundo e a combater Arimã e a legião do mal. Entre as divindades auxiliares – como consta no Avesta –, a mais importante era Mithra, um deus benéfico que exercia funções de juiz das almas. No final do século III d.C, a religião de Mithra fundiu-se com cultos solares de procedência oriental, configurando-se no culto do Sol. Arimã é representado como uma serpente. Criador de tudo que há de ruim (crime, mentira, dor, secas, trevas, doenças, pecados, entre outros), ele é o espírito hostil, destruidor, que vive no deserto entre sombras eternas. Ormuzde, no entanto, é o Criador originário organizador do mundo de modo perfeito.


Ahura Mazda é representado também como o divino Lavrador, o que mostra o enraizamento do culto na civilização agrícola, na qual o cultivo da terra era um dever sagrado. No plano cosmológico, contudo, ele é o criador do universo e da raça humana, com poderes para sustentar e prover todos os seres, na luz e na glória supremas.


Bem e Mal não são apenas valores morais reguladores da vida cotidiana dos humanos, mas são transfigurados em princípios cósmicos, em perpétua discórdia. A luta entre Bem e Mal origina todas as alternativas da vida do universo e da humanidade. A vitória definitiva de Ormuzde sobre Arimã só poderia ocorrer se Zaratustra conseguisse formar uma legião de seguidores e servidores, forte o bastante para vencer o Espírito Hostil, e expurgar o Mal do universo. Nesse sentido, Bem e Mal são princípios criadores e estruturadores do universo, que podem ser observados na natureza e encontram-se presentes na alma humana. A vida humana é uma luta incessante para atingir a bondade e a pureza, para vencer Angra Mainyu e toda a sua legião de demônios cuja vontade é destruir o mundo criado por Ahura Mazda.


A doutrina de Zaratustra é escatológica. De acordo com os seus preceitos, o mundo duraria doze mil anos. No fim de nove mil anos, ocorreria a segunda vinda de Zaratustra como um sinal e uma promessa de redenção final dos bons. Isso seria seguido do nascimento miraculoso do Saoshyant, equivalente ao messias hebreu, cuja missão seria aperfeiçoar os bons para o fim do mundo, da história humana, enfim, para a vitória do Bem sobre as forças do Mal. A cada mil anos viria um profeta/messias (Saoshyant).


Assim, nos últimos três milênios, três Saoshyant preparariam a completude do grande ano cósmico. É neste sentido que Nietzsche menciona Zaratustra como aquele que compreendeu a História em toda a sua completude. Cada série de desenvolvimento da História seria presidida por um “profeta”, que teria seu hazar, seu reino de mil anos. O Zaratustra histórico, no entanto, anuncia a chegada do tempo em que surgirá da raça persa o Sháh Bahram, o Senhor Prometido, o Salvador do Mundo, o Grande Mensageiro da Paz.


No final dos tempos haveria o julgamento derradeiro de todas as almas e a ressurreição dos mortos. Não fica claro se o inferno tem duração eterna, se os maus se agitarão eternamente “nas trevas”. Nos gathas, cantos de Zaratustra, consta também que o mal poderia ser banido para sempre do universo, com o nascimento de um novo mundo, física e espiritualmente perfeito, aqui na Terra. Não seria possível, assim, a coexistência de um mundo físico degradado e um mundo hiperfísico perfeito.


Os gregos enfatizaram, no profeta persa, mais a astrologia e a cosmologia do que o dualismo moral. Para eles, Zoroastro é um ser mítico, um astrólogo, legendário fundador da seita dos magos. Os aspectos cosmológicos, soteriológicos (relativos à parte da teologia que trata da salvação do homem), teológicos e morais do masdeísmo estavam contidos nos Pahlavi (principalmente no Denkard), livros baseados no Avesta. Mas esses textos estão perdidos.


3. Moral


O dualismo cósmico e teogônico do masdeísmo está intimamente relacionado ao dualismo moral. Zaratustra, com a sua mensagem divina, provocou uma verdadeira transformação no modo de pensar da sua civilização, contrariando o tradicional pensamento dos sábios de sua época. Sua mensagem baseava-se nos Gathas, cantos entoados com o objetivo de serem um guia para a humanidade – continham o triplo princípio de boa mente, boas palavras e boas ações. O bem e o mal, para Zaratustra, manifestam-se também na alma humana, e a única forma de poder organizar o mundo e a sociedade é estando o bem acima do mal. Este não traz contribuição alguma para a construção de uma vida boa, já que impossibilita uma relação equilibrada entre ser humano, sociedade e natureza.


Zaratustra propõe que o homem encontre o seu lugar no planeta de forma harmoniosa, buscando o equilíbrio com o meio (natural e social), respeitando e protegendo terra, água, ar, fogo e a comunidade. O cultivo de mente, palavras e ações boas é de livre escolha: o indivíduo deve decidir perante as circunstâncias que se apresentam em determinado fato. A boa deliberação, ou seja, uma boa reflexão a respeito de cada ação faz surgir uma responsabilidade social para colaborar com o projeto que deus propôs ao mundo. Os seres humanos, portanto, possuem livre-arbítrio e são livres para pecar ou para praticar boas ações. Mas serão recompensados ou punidos na vida futura conforme a sua conduta.


Os principais mandamentos são: falar a verdade, cumprir com o prometido e não contrair dívidas. O homem deve tratar o outro da mesma forma que deseja ser tratado. Por isso, a regra de ouro do masdeísmo é: “Age como gostarias que agissem contigo”.


Entre as condutas proibidas destacavam-se a gula, o orgulho, a indolência, a cobiça, a ira, a luxúria, o adultério, o aborto, a calúnia e a dissipação. Cobrar juros a um integrante da religião era considerado o pior dos pecados. Reprovava-se duramente o acúmulo de riquezas. Virtudes, como justiça, retidão, cooperação, verdade e bondade, surgem com o princípio organizador de Deus Ascha, que só se pode manifestar com o esforço individual de cultivar a Tríplice Bondade. Esta prática do bem leva ao bem-estar individual e, conseqüentemente, coletivo. A comunidade somente pode surgir quando o individuo se vê como autônomo, e desse modo pode descobrir o outro como pessoa. O ego é valorizado como fonte para o reconhecimento do próximo. Cultivado de forma sadia, o ego torna-se forte e poderoso para o homem observar a si próprio como membro da comunidade e capaz de contribuir para o bom relacionamento harmonioso com os outros seres.


Por isso, eram incentivadas as virtudes econômicas e políticas, entre elas a diligência, o respeito aos contratos, a obediência aos governantes, a procriação de uma prole numerosa e o cultivo da terra, como está expresso na frase: “aquele que semeia o grão, semeia santidade”. Havia também outras virtudes ou recomendações de Ahura Mazda: os homens devem ser fiéis, amar e auxiliar uns aos outros, amparar o pobre e ser hospitaleiro.


A doutrina original de Zaratustra opunha-se ao ascetismo. Era proibido infligir sofrimento a si, jejuar e mesmo suportar dores excessivas, visto o fato de essas práticas prejudicarem a alma e o corpo, e impedirem os seres humanos de exercerem os deveres de cultivar a terra e de procriar. Essas prescrições fomentavam a temperança e não a abstinência. Assim, as exortações e interdições destinavam-se a proporcionar aos homens uma boa conduta, além de reprimir os maus impulsos.


4. Doutrina religiosa


As revelações e profecias de Zaratustra estão contidas nos Gathas, cinco hinos que formam a mais antiga parte livro do masdeísmo, o Avesta. Os Gathas datam do final do segundo milênio a.C. Foram escritos numa língua do nordeste do Irã, aparentada ao sânscrito, o Gathic Avestan. Originalmente, esses hinos eram transmitidos oralmente. Grande parte do Avesta original foi destruída, com a invasão de Alexandre Magno e com o domínio posterior do Islamismo. As escrituras sagradas do masdeísmo, o Avesta ou Zend-Avesta, como se tornaram mais conhecidas no ocidente, significam “comentário sobre o conhecimento".


O zoroastrismo (masdeísmo) é uma das religiões mais antigas e de mais longa duração da humanidade. Seu monoteísmo influenciou as doutrinas judaicas, cristãs e islâmicas. Após o domínio islâmico do Irã, o masdeísmo passou a ser religião de uma minoria, que passou a ser perseguida pela nova religião hegemônica. Por isso, parte dos seguidores remanescentes migrou para o noroeste da Índia, onde foi estabelecida a comunidade Parsi. No Irã, permanece ainda a comunidade Zardushtis. Atualmente, o número total de seguidores do masdeísmo (zoroastrismo) não chega a 120 mil, distribuídos em pequenas comunidades rurais. Por ser uma religião étnica, o masdeísmo geralmente não permite a adesão de convertidos. Na atualidade há uma maior flexibilidade, devido à migração, à secularização e aos casamentos realizados entre etnias distintas.


Como já mencionado, a base da doutrina de Zaratustra é o dualismo bem-mal. O cerne da religião consiste em evitar o mal por intermédio de uma distinção rigorosa entre bem e mal. Além disso, é necessário cultivar a sabedoria e a virtude, por meio de sete ideais, personificados em sete espíritos, os Imortais Sagrados: o próprio Ahura Mazda, concebido como criador e ‘espírito santo’; Vohu Manõ, o Espírito do Bem; Asa-Vahista, que simboliza a Retidão Suprema; Khsathra Varya, o Espírito do Governo Ideal; Spenta Armaiti, a Piedade Sagrada; Haurvatãt, a Perfeição; e Ameretãt, a Imortalidade. Estes deuses enfrentam constantemente as forças do mal, os maus pensamentos, a mentira, a rebelião, a doença e a morte. O príncipe destas forças é Angra Mainyu, o "Espírito Hostil", também conhecido como Arimã.


A adoração a Ahura Mazda ou Ormuzde pode também ser chamada Mazdayasna (Adoração ao Sábio). O culto não requeria templos, pois o deus era representado pelo fogo, considerado sagrado e símbolo de pureza. A chama era mantida constantemente em altares, erguidos geralmente em lugares elevados das montanhas, onde se faziam oferendas. Os magos, detentores de segredos e de verdades reveladas, dirigiam os ritos e os cultos – são referidos na Bíblia, no Novo Testamento. O rei da Pérsia teria enviado, a Israel, sacerdotes do zoroastrismo, que seguiram uma estrela até Belém, no intuito de encontrar o salvador, ou messias.


Zaratustra transmitira, aos magos e adeptos, os segredos e a verdade suprema que lhe foram revelados por Ahura Mazda por meio de um anjo chamado Vohu-Manah. Assim como o cristianismo, o judaísmo e o islamismo, também no zoroastrismo a revelação divina é elemento essencial. A religião masdeísta diferencia-se das existentes até então não só pelo dualismo bem–mal, mas também pelo caráter escatológico. Entre os seus dogmas, estão a vinda do Messias, a ressurreição dos mortos, o julgamento final e a translação dos bons para o paraíso eterno. Inclui também a doutrina da imortalidade da alma e o seu julgamento.


Conforme os seus méritos ou pecados, elas iriam para o mundo dos justos (paraíso), para a mansão dos pesos iguais (purgatório) ou para a escuridão eterna (inferno). Não sepultavam, incineravam ou jogavam em rios os cadáveres – ficavam expostos em altas torres a céu aberto. Os corpos dos justos, salvos da destruição, secariam; já os dos injustos seriam devorados pelas aves de rapina. Desse modo, Zaratustra pode ser visto como um dos primeiros teólogos da história por ter erigido um sistema de religiosa desenvolvido e estruturado. Enquanto religião ética, o masdeísmo possuía a missão de purificar os costumes tradicionais de seu povo a fim de erradicar o politeísmo, o sacrifício de animais e a magia. Com isso, o culto poderia atingir uma dimensão ético-espiritual elevada. Zaratustra pregava que o esforço e o trabalho eram atos santos. Eis algumas frases ou ditos a ele atribuídos: "O que vale mais num trabalho é a dedicação do trabalhador." - "O que lavra a terra com dedicação tem mais mérito religioso do que poderia obter com mil orações sem nada fazer." - “Aquele que diz uma palavra injusta,gavam em rios os pode enganar o seu semelhante, mas não enganará a deus”. - “Deus está sempre à tua porta, na pessoa dos teus irmãos de todo o mundo” - "O que semeia milho, semeia a religião. Não trabalhar é um pecado."

OBS.: TEXTO FINAL PRODUZIDO PELO PROFESSOR DOUTOR CLADEMIR ARALDI (UFPel) A PARTIR DA CONTRIBUIÇÃO DOS ALUNOS DA DISCIPLINA "NIETZSCHE: A FILOSOFIA COMO ARTE" (2º SEMESTRE/2006).

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