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Eutanásia

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Uma máquina de eutanásia
Uma máquina de eutanásia

Eutanásia (do grego ευθανασία - ευ "bom", θάνατος "morte") é a prática pela qual se abrevia, sem dor ou sofrimento, a vida de um enfermo incurável. A eutanásia representa atualmente uma questão de bioética e biodireito. Algumas pessoas acham errado matar uma pessoa, mesmo que essa pessoa esteja a passar por um terrível sofrimento e queira morrer por vontade própria.

Independentemente da forma de Eutanásia praticada, seja ela legalizada ou não, é considerada como um assunto controverso, existindo sempre prós e contras – teorias eventualmente mutáveis com o tempo e a evolução da sociedade, tendo sempre em conta o valor de uma vida humana. Sendo eutanásia um conceito muito vasto, distinguem-se aqui os vários tipos e valores intrinsecamente associados: eutanásia, distanásia, ortotanásia, a própria morte e a dignidade humana.

Antes de mais, é importante referir que se podem “classificar” dois tipos de eutanásia, a "eutanásia ativa" e a "eutanásia passiva". Embora existam duas “classificações” possíveis, a Eutanásia em si é o ato de facultar a morte sem sofrimento, a um indivíduo cujo estado de doença é crônico e, portanto, incurável, normalmente associado a um imenso sofrimento físico psíquico.

A "eutanásia ativa" conta com o traçado de acções que têm por objectivo pôr término à vida, na medida em que é planeada e negociada entre o doente e o profissional que vai levar e a termo o ato.

A "eutanásia passiva" por sua vez, não provoca deliberadamente a morte, no entanto, com o passar do tempo, conjuntamente com a interrupção de todos e quaisquer cuidados médicos, farmacológicos ou outros, o doente acaba por falecer. São cessadas todas e quaisquer ações que tenham por fim prolongar a vida. Não há por isso um ato que provoque a morte (tal como na Eutanásia Ativa), mas também não há nenhum que a impeça (como na Distanásia).

É relevante distinguir eutanásia de "suicídio assistido", na medida em que na primeira é uma terceira pessoa que executa, e no segundo é o próprio doente que provoca a sua morte, ainda que para isso disponha da ajuda de terceiros.

Etimologicamente, distanásia é o oposto de eutanásia. A distanásia defende que devem ser utilizadas todas as possibilidades para prolongar a vida de um ser humano, ainda que a cura não seja uma possibilidade e o sofrimento se torne demasiadamente penoso.

Índice

[editar] Ortotanásia

No que se refere à ortotanásia, esta, opondo-se à Distanásia, defende que se reconheça o momento natural da morte de um indivíduo, não se procedendo a qualquer tipo de meio para manter ou prolongar a sua vida. Significa que se deve deixar o ser humano morrer em paz, sem que se promova e acelere esse processo de deixar a vida. É importante neste caso, distinguir Ortotanásia de Eutanásia Passiva, na medida em que na primeira não são levadas a cabo quaisquer medidas que visem manter ou melhorar o estado de saúde do doente, e na segunda estas são tomadas e interrompidas num determinado momento de sua vida... Vale salientar, também, que na ortotanásia, podem ser adotadas medidas paliativas para aliviar o sofrimento da pessoa em vias de falecer.

[editar] A morte

Ver artigo principal: Morte.

Correndo o risco de não abarcar toda a essência do termo, a morte pode significar o fim ou interrupção definitiva da vida humana. A morte é o fim da existência de todo e qualquer ser possuidor de um corpo, que respira, que se move, que tem sentidos e sentimentos, sensações e emoções. Para determinados indivíduos inseridos numa determinada cultura e num determinado contexto, a morte de um ente querido, de um amigo é algo intensamente doloroso de vivenciar, enquanto que para outros, em contextos, culturas e sociedades diferentes, a Morte significa o renascimento, a libertação. Como foi referido anteriormente, a visão da Morte e a maneira como é vivenciada são aspectos influenciados pela cultura, pela educação, pelos valores sociais e características individuais de cada um.

A dignidade humana está sempre acompanhada de perto pelo respeito, pela honra, pela consciência que cada um de nós tem do seu próprio valor enquanto cidadão e ser humano, detentor de uma vida e de uma individualidade, bem como portador de características únicas que fazem dele um ser sem igual. A Dignidade Humana comporta também, no seio da sua essência, os valores de uma sociedade. No entanto, e no caso de um ser humano em estado terminal que peça a Eutanásia, a sua dignidade passa pelo direito a ser tratado como qualquer ser humano saudável seria e não a ser tratado como se já estivesse sem vida. Como diz Lucien Israël_ "O argumento da dignidade tem por fim único – inconsciente, registe-se – de proteger o conforto dos sobreviventes." (1993;59).

Na Antiguidade, diversos povos como, por exemplo, em algumas comunidades pré-celtas e celtas, os filhos matavam os seus pais quando estes estivessem muito velhos e doentes. Na Índia, os doentes incuráveis eram atirados ao rio Ganges, depois de lhes obstruírem a boca e narinas com uma lama ritual. Existe também na Bíblia, no livro I de Samuel, um relato em que o Rei Saul, gravemente ferido por soldados inimigos, implora ao seu pajem que lhe ponha termo à vida.

A discussão em torno dos valores culturais, éticos e religiosos na prática da eutanásia remonta à Grécia Antiga, que conheceu duas realidades muito distintas: em Esparta, os recém-nascidos eram examinados pelos membros do Senado, de forma a determinarem se estas apresentavam alguma deficiência física, ou se tinham a robustez necessária para se tornarem bons soldados. Àquelas que não possuíam as características exigidas praticavam a eutanásia eugénica. Contudo, na cidade rival, Atenas, a eutanásia era defendida por alguns como um acto de compaixão para um doente em sofrimento. Platão, Sócrates e Epicuro defendiam a ideia de que o sofrimento provocado por uma doença justificava o suicídio do enfermo. Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates, pelo contrário, condenavam o suicídio. No conhecido Juramento de Hipócrates, consta: ”A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda.” Desta forma, a escola hipocrática já nesta altura se posicionava contra o que hoje chamamos de eutanásia ou suicídio assistido. O tema da eutanásia não se restringiu apenas à Grécia Antiga; Cleópatra VII (69aC – 30aC) criou no Egipto uma Escola cujo objectivo consistia em estudar formas de morte menos dolorosas.

A discussão sobre a eutanásia atravessou verticalmente toda a História da Humanidade. O renascentista Thomas Morus publica em 1516 o livro Utopia, no qual descrevia a cidade perfeita onde o suicídio assistido era praticado nos velhos e doentes que a pediam. É no séc. XVII que o termo "eutanásia" é proposto pela primeira vez por Francis Bacon na sua obra “Tratado da Vida e da Morte”. No séc. XVIII, Kant escreve:” Nenhum Homem pode dispor da sua vida”, numa afirmação claramente contra a eutanásia. Até ao nosso século, muitos foram os autores que se posicionaram a favor da eutanásia e do suicídio assistido, como o céptico David Hume, o fundador do socialismo Karl Marx e o pensador alemão Schopenhauer. Em 1895, na então denominada Prússia, foi proposto que o Estado deveria prover os meios necessários para a realização da eutanásia em pessoas incapazes de a solicitar.

Já no século XX a discussão sobre a eutanásia conheceu um dos seus momentos mais acalorados entre as décadas de 20 e 40. Em 1931, na Inglaterra, Dr. Millard propôs uma lei para a legalização da eutanásia, proposta essa que foi discutida até 1936 pela Câmara dos Lordes, até ser rejeitada. Em 1934, o Uruguai inclui a possibilidade de utilização da eutanásia no seu Código Penal, tornando-se o primeiro país a regulamentar a eutanásia, legislação essa que se manteve em vigor até aos nossos dias.

Em 1935 nasce em Inglaterra a EXIT, uma das primeiras associações pró-eutanásia, que distribuía folhetos aos seus associados com instruções para “morrer com dignidade”, tendo tido problemas com a justiça inglesa. Em Outubro de 1939, com o início da Segunda Guerra Mundial, surge na Alemanha, o Programa Nazista de Eutanásia, sob o nome de código “Aktion T4”, cujo objectivo nada tinha a ver com compaixão, piedade ou direitos individuais. Esta eugenia tinha como finalidade eliminar as pessoas que tinham uma vida que “não merecia ser vivida”. Este programa pretendia eliminar etnias consideradas “inferiores”, pessoas com deficiências ou doenças tidas como indesejáveis, bem como pessoas de idade muito avançada, de forma a realizar um aprimoramento racial e uma “limpeza social”. O “Aktion T4” veio desta forma materializar as propostas sobre eugenia que se discutiam no Velho Continente desde 1935.

Em 1956, a Igreja Católica colocou-se em posição contrária à eutanásia; contudo o Papa Pio XII, e 1957, aceitou a possibilidade do uso de grandes quantidades de drogas a doentes em grande sofrimento, mesmo que essas doses pudessem ter como efeito indesejado a sua morte (conceito de duplo efeito).

Em 1968, a Associação Mundial de Medicina adoptou uma posição contrária à eutanásia. Em 1980, o Vaticano divulgou uma Declaração sobre a Eutanásia onde consiste a hipótese do duplo efeito e da interrupção do tratamento considerado fútil. Em 1990, a Real Sociedade Médica dos Países Baixos e o Ministério da Justiça estabeleceram uma rotina de notificação para a eutanásia, não a legalizando, mas tornando o profissional que a realiza isento de procedimento criminal.

Em 1991, houve uma tentativa frustrada para introduzir a eutanásia no Código Civil da Califórnia (EUA) e no mesmo ano, o Papa João Paulo II, numa carta aos bispos, reiterou a sua posição contra a eutanásia e o aborto, destacando o papel que as escolas e hospitais católicos deveriam ter na vigilância e discussão desses temas. Em 1996, os territórios do norte da Austrália, aprovaram uma lei que possibilita formalmente a eutanásia, lei essa que foi revogada apenas alguns meses depois. Nesse ano também o Brasil assistiu à apresentação de uma proposta semelhante, mas esta não deu resultados. Em Maio de 1997, a Corte Constitucional da Colômbia estabeleceu na sua legislação que o profissional que praticasse a eutanásia não poderia ser punido criminalmente. Em 1997, o estado de Oregon (EUA), legalizou o suicídio assistido.

Finalmente no século XXI, em 11 de Maio de 2001, os Países Baixos torna-se o primeiro pais do mundo a legalizar a eutanásia, inclusivamente podendo ser aplicada a menores desde que com o consentimento dos educadores. Por 48 votos a favor e 28 contra, o Senado aprovou a lei que permite aos médicos abreviar a vida dos doentes terminais. Do lado de fora do Parlamento cerca de 10.000 manifestantes juntaram-se em protesto, cantando hinos e lendo passagens da Bíblia. Em 16 de Maio de 2002, é a vez da Bélgica tornar-se o segundo país a legalizar a eutanásia.

[editar] Em debate

Há quem defenda o direito à morte com dignidade e há quem entenda que não cabe aos homens pôr termo à vida. Pessoal e profissionalmene, na abordagem do “direito” de escolha pela morte ocorrem conflitos de interesses e opiniões diferentes, fundamentadas pelo percurso de vida e por componentes biológica, psico-afectiva, social, económica e cultural que caracterizam cada um de nós. Eutanásia tem recebido cada vez mais atenção nos dias de hoje, na imprensa, em mesas redondas ou na informal conversa entre amigos. O debate tem levantado aspectos importantes; pessoais, científicos, educacionais, religiosos, sociais e económicos. Esta discussão tornou-se ainda mais presente quando se discute os direitos individuais dos seres organizados em sociedade, e o acto de cidadania permite a exigência de mais direitos.

[editar] Argumentos a favor

Para quem argumenta a favor da eutanásia, acredita que esta seja um caminho para evitar a dor e o sofrimento de pessoas em fase terminal ou sem qualidade de vida, um caminho consciente que reflecte uma escolha informada, o término de uma vida em que, quem morre não perde o poder de ser actor e agente digno até ao fim.

São raciocínios que participam na defesa da autonomia absoluta de cada ser individual, na alegação do direito à autodeterminação, direito à escolha pela sua vida e pelo momento da morte. Uma defesa que assume o interesse individual acima do da sociedade que, nas suas leis e códigos, visa proteger a vida. Eutanásia não defende a morte, mas a escolha pela mesma por parte de quem a concebe como melhor opção ou a única.

A escolha pela morte, não poderá ser irreflectida. As componentes biológicas, sociais, culturais, económicas e psíquicas têm que ser avaliadas, contextualizadas e pensadas, de forma a assegurar a verdadeira autonomia do indivíduo que, alheio de influências exteriores à sua vontade, certifique a impossibilidade de arrependimento.

Quando o Homem; pai, chefe, cidadão, profissional, músico... passa a ser prisioneiro do seu corpo, dependente na satisfação das necessidades mais básicas; o medo de ficar só, de ser um “fardo”, a revolta e a vontade de dizer “Não” ao novo estatuto, levam-no a pedir o direito a morrer com dignidade. Obviamente, o pedido deverá ser ponderado antes de operacionalizado, o que não significa a desvalorização que tantas vezes conduz esses homens e mulheres a lutarem pela sua dignidade anos e anos na procura do não prolongamento de um processo de deterioramento ou não evolução.

“A dor, sofrimento e o esgotamento do projecto de vida, são situações que levam as pessoas a desistirem de viver” (Pinto, Silva – 2004 - 36) Conduzem-nas a pedir o alívio da dor, a dignidade e piedade no morrer, porque na vida em que são “actores” não reconhecem qualidade. A qualidade de vida para alguns homens não pode ser um demorado e penoso processo de morrer.

A autonomia no direito a morrer não é permitida em detrimento das regras que regem a sociedade, o comum, mas numa politica de contenção económica, não serão os custos dessa obrigatoriedade elevados?

[editar] Argumentos contra

São muitos os argumentos “contra” a eutanásia, desde os religiosos, éticos até os políticos e sociais. Do ponto de vista religioso a Eutanásia é tida como uma usurpação do direito à vida humana, devendo ser um exclusivo reservado ao “Criador”, ou seja, só Ele pode tirar a vida de alguém. “ A Igreja, apesar de estar consciente dos motivos que levam a um doente a pedir para morrer, defende acima de tudo o carácter sagrado da vida,...” (Pinto, Susana; Silva, Florido,2004, p.37).

Da perspectiva da ética médica, tendo em conta o juramento de Hipócrates, segundo o qual considera a vida como um dom sagrado, sobre a qual o médico não pode ser juiz da vida ou da morte de alguém, a Eutanásia é considerada homicídio. Cabe assim ao médico, cumprindo o juramento Hipocrático, assistir o paciente, fornecendo-lhe todo e qualquer meio necessário à sua subsistência. Para além disto, pode-se verificar a existência de muitos casos em que os indivíduos estão desenganados pela Medicina tradicional e depois procurando outras alternativas conseguem se curar.

"Nunca é lícito matar o outro: ainda que ele o quisesse, mesmo se ele o pedisse (...) nem é lícito sequer quando o doente já não estivesse em condições de sobreviver" (Santo Agostinho in Epístula)

Outro dos argumentos contra, centra-se na parte legal, uma vez que o actual Código Penal não especifica o crime de Eutanásia, condenando qualquer acto anti-natural na extinção de uma vida. Sendo quer o homicídio voluntário, o auxilio ao suicídio ou o homicídio mesmo que a pedido da vitima ou por “compaixão”, punidos criminalmente.

[editar] Perspectivas

[editar] O doente

Mar...doce mar.../Que embalas nas tuas ondas/Os humanos pecadores! / Mar...doce mar…/
Que transportas em teu ventre Vida Celeste e rancor.../Mar...doce mar.../Embala-me a mim...
Com tua suave canção de amor/Eleva-me aos céus, / Aquece-me a alma../ Leva o meu corpo
Afagado entre abraços /De onda e de sal ,/Mar...doce mar...

Inês Cunha

As pessoas com doença crónica e, portanto, incurável, ou em estado terminal, têm naturalmente momentos de desespero, momentos de um sofrimento físico e psíquico muito intenso, mas também têm momentos em que vivem a alegria e a felicidade. Estas pessoas lutam dia após dia para viverem um só segundo mais. Nem sempre um Ser Humano com uma determinada patologia quer morrer “porque não tem cura”! Muitas vezes acontece o contrário, tentam lutar contra a Morte, tal como refere Lucien Israël: "Não defendem uma politica do tudo ou nada. Aceitam ficar diminuídos desde que sobrevivam, e aceitam sobreviver mesmo que sintam que a doença os levará um dia. (...) dizem-nos com toda a simplicidade: se for necessário, eu quero servir de cobaia. (...) arriscam o termo para nos encorajarem à audácia. (Israël, Lucien; 1993; 86-87).

Contrariando esta tendência de luta a todo o custo, em alguns casos surgem os doentes que realmente estão cansados de viver, que não aguentam mais sentirem-se um fardo, ou sentirem-se sozinhos, apenas acompanhados de um enorme sofrimento de ordem física, psíquica ou social. Uma pessoa cuja existência deixou de lhe fazer sentido sofre, no seu íntimo, e muitas vezes isolada no seu mundo interior; sente que paga a cada segundo que passa uma pena demasiadamente pesada pelo simples fato de existir.

Nesta altura, e quando a Morte parece ser a única saída que o doente vislumbra, deve-se-á informar o doente dos efeitos, riscos, dos sentimentos, das reações que a Eutanásia comporta, da forma como é ou vai ser praticada. Só assim o doente poderá decidir conscienciosamente e ter a certeza de que, para si, essa é a melhor opção. No entanto, e a par da informação, o doente deve ser acompanhado psicologicamente, a fim de se esclarecer que este não sofre de qualquer distúrbio mental, permanente ou temporário, e está capacitado para decidir por si e pela sua Vida.

Há autores que defendem que um ser humano, ainda que a sofrer demasiado, se bem tratado, não pede a Eutanásia. Hoje em dia podem ser administrados analgésicos e outros fármacos que minimizam o sofrimento e efeitos da doença e de intervenções técnicas, a uma pessoa em estado terminal.

"Não podemos admitir que estas pessoas não tenham um acompanhamento digno na sua morte e no seu percurso até ela. Não podemos fechar os olhos a alguém que com muito sacrifício se abre connosco e manifesta o desejo de morrer; não podemos ignorar um pedido de Eutanásia e deixá-lo passar em branco! Os pedidos de Eutanásia por parte dos doentes são muitas vezes pedidos de ajuda, implorações para que se pare o seu sofrimento! Segundo estes autores, a maioria das pessoas que se encontram na reta final da sua vida, não desiste! Estas pessoas “Persistem e dão-nos coragem para fazermos o mesmo." (Israël, Lucien; 1993;87).

Talvez a esta altura seja pertinente pensarmos que um dia podemos ser nós, um familiar ou um amigo próximo, a estar numa situação em que “não há mais nada a fazer”; para essas pessoas, resta-lhes a esperança e apoio da família. Muitas pessoas que se encontram nesta fase, sentem-se um peso pela doença e a necessidade de cuidados e pela preocupação e o cansaço estampados nos rostos daqueles que amam e estavam habituados a ver sorridentes.

No entanto, e após as relações anteriores, não é correto pensar que um pedido de Eutanásia não possa ser um pedido refletido e ser a verdadeira vontade daquele Ser Humano, alheia a factores económicos, sociais, culturais, religiosos, físicos e psíquicos.

[editar] Família e sociedade

O Homem como animal cultural, social e individual, quando inserido nos diferentes grupos, vai oferecer-lhes toda a sua complexidade que caracteriza o particular e o comum aos diferentes elementos que os constituem. A família grupo elementar que é para cada indivíduo e para a Sociedade, quando confrontado com a morte reage na sua especificidade que a caracteriza, quando o confronto é com as diferentes situações que podem levar um ser humano a lutar pelo direito a morrer, essas especificidades não desaparecem.

É a diferença essencialmente cultural e social, que faz com que a legislação mude de país para país, que faz com que os Países Baixos tenha legalizado a Eutanásia e o nosso país não.

Num país como Portugal em que a morte tem perdido visibilidade, é excluída de práticas antigas, os familiares são afastados, as crianças não sabem o que é, os processos de luto são cada vez menos vividos e morre-se mais no hospital, no lar ou em casa dependente nos cuidados. Uns por opção e altruísmo, pelo manter do seu papel e estatuto social, como opção lúcida e reconhecida; outros por medo, por a família não aceitar ou não querer vivenciar essa ultima fase em que culmina a vida. Em Portugal morrer sozinho pode ser mais do que um título, é muitas vezes realidade ou uma escolha.

Num país em que esperança média de vida aumenta, em que a toda hora se vende o light e o saudável, contrasta a realidade dos acidentes vasculares cerebrais (AVC) como primeira causa de morte e as doenças de foro oncológico como segunda. Muitas doenças “arrastam-se” para a cronicidade com o aumento de esperança de vida vigente na nossa Sociedade. No nosso país a maioria das pessoas quer salvar, ainda não considera o término do sofrimento como algo qualitativo, em detrimento do arrastar da decadência física e psíquica. O “fazer tudo que estiver ao seu alcance para manter a vida” é o mais aceite na nossa Sociedade, no entanto o acto de promover a morte antes do que seria de esperar, por motivo de compaixão e diante de um sofrimento penoso e insuportável, sempre foi motivo de reflexão por parte da Sociedade. Frequentemente a família divide-se entre o que existe entre a Eutanásia e a Distanásia.

Salvar, fazer uso dos meios, do conhecimento, dos dadores, de todos os recursos para salvar é lógico. No entanto, os cuidados paliativos que visam a melhor qualidade de vida possível para o doente e para a família, pode ou não equivaler a definição de qualidade desses intervenientes, o que pode levantar dúvidas, despoletar as habituais polémicas associadas ao debate do tema. Quando se fala neste, as opiniões divergem, o debate acende-se e os extremos refutam com prós e contras, sendo a maioria contra.

Num país laico, como o nosso, em que a maioria da sua população é de orientação religiosa cristã, rege-se pela palavra de Deus inscrita na Bíblia, segue maioritariamente o que Deus ordena; “Não matarás”. Também por isto é fácil compreender o número de famílias que não considera Eutanásia como opção.

Perante o tabu da morte e a família como um elemento cuidador da e na sociedade, existe inúmeros contextos e particularidades é necessário definir o comum. A eutanásia continuará a suscitar grande polémica na sociedade, polémica de argumentos supostamente válidos entre os que defendem a legalização e os que a condenam, havendo assim necessidade de compreender a moral à prática concreta dos homens enquanto membros de uma dada sociedade, com condicionalismos diversos e específicos, e reflectir sobre essas práticas (ética), afinal a vida humana é direito em qualquer sociedade.

[editar] A óptica da Enfermagem

O exercício da actividade profissional de Enfermagem, pauta-se pelo respeito à dignidade humana desde o nascimento à morte, devendo o Enfermeiro ser um elemento interveniente e participativo em todas os actos que necessitem de uma componente humana efectiva por forma a atenuar o sofrimento, todos os actos que se orientem para o cuidar, individualizado e holístico.

As necessidades de um doente em estado terminal, muitas vezes isolado pela sociedade, aumentam as exigências no que respeita a cuidados de conforto que promovam a qualidade de vida física, intelectual e emocional sem descurar a vertente familiar e social.

Apesar desta consciência, lidar com situações limite, potencia um afastamento motivado por sentimentos de impotência perante a realidade. Este contexto agrava-se se o profissional de saúde (cuidador) for confrontado com uma vontade expressa pelo doente em querer interromper a sua vida. Como agir perante o princípio de autonomia do doente? Como agir perante o direito de viver? Perante este quadro, com o qual nos poderemos deparar um dia, há que ter um profundo conhecimento das competências, obrigações e direitos profissionais, de forma a respeitar e proteger a vida como um direito fundamental das pessoas.

[editar] Legislação

[editar] República Portuguesa

Na Lei Fundamental de Portugal Constituição da República Portuguesa podemos observar:

  • Art. 1º
Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

E se alguma dúvida ainda subsistisse na interpretação do seu art. 1º, quanto ao respeito pela vida humana, a mesma se dissipa atento o disposto no seu:

  • Art. 16º n.2
Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração universal dos direitos do Homem., onde regulamenta que:
  • Art. 3º
Todo o indivíduo tem direito à vida à liberdade e à segurança pessoal.
  • Art. 24º n.1
A vida humana é inviolável.
  • Art. 25º n.1
A integridade moral e física das pessoas é inviolável.

O Código Penal Português trata este assunto com um rigor acentuado havendo severas penalizações no que se concerne à prática da eutanásia:

Artigos 133º e 134º - Eutanásia activa:

  • Art. 133º (Homicídio privilegiado)
Quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
  • Art. 134º (Homicídio a pedido da vítima)
  1. Quem matar outra pessoa determinado por pedido sério, instante e expresso que ela lhe tenha feito é punido com pena de prisão até 3 anos.
  2. A tentativa é punível.

Artigo 138º - Eutanásia passiva:

  • Art. 138º (Exposição ou abandono)
  1. Quem colocar em perigo a vida de outra pessoa:
a) expondo-a em lugar que a sujeite a uma situação de que ela, só por si, não possa defender-se, ou
b) abandonando-a sem defesa, em razão de idade, deficiência física ou doença, sempre que ao agente coubesse o dever de a guardar, vigiar ou assistir, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
Se o facto for praticado por ascendente ou descendente, adoptante ou adoptado da vítima, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.
Se do facto resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.

Artigo 132º - Eutanásia eugénica:

  • Art.132º (Homicídio qualificado)
  1. Se a morte for produzida em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos.
  2. É susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância do agente:
a) Ser descendente ou ascendente, adoptado ou adoptante, da vítima;
b) Empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima;
c) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar, ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil;
d) Ser determinado por ódio racial, religioso ou político;
e) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime;
f) Utilizar veneno, qualquer outro meio insidioso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum;
g) Agir com frieza de ânimo com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de 24h;
h) Ter praticado o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Ministro da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das regiões autónomas ou do território de Macau, Provedor de Justiça, Governador Civil, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante da força pública, jurado, testemunha, advogado, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público]], civil ou militar, agente da força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente ou examinador público, ou ministro de culto religioso, no exercício das suas funções ou por causa delas.


O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, tomando por base no essencial o Relatório que o precede, é de Parecer:

  • que não há nenhum argumento ético, social, moral, jurídico ou da deontologia das profissões de saúde que justifique em tese vir a tornar possível por lei a morte intencional de doente (mesmo que não declarado ou assumido como tal) por qualquer pessoa designadamente por decisão médica, ainda que a título de "a pedido" e/ou de "compaixão";
  • que, por isso, não há nenhum argumento que justifique, pelo respeito devido à pessoa humana e à vida, os actos de eutanásia;
  • que é ética a interrupção de tratamentos desproporcionados e ineficazes, mais ainda quando causam incómodo e sofrimento ao doente, pelo que essa interrupção, ainda que vá encurtar o tempo de vida, não pode ser considerada eutanásia;
  • que é ética a aplicação de medicamentos destinados a aliviar a dor do paciente, ainda que possa ter, como efeito secundário, redução de tempo previsível de vida, atitude essa que não pode também ser considerada eutanásia;
  • que a aceitação da eutanásia pela sociedade civil, e pela lei, levaria à quebra da confiança que o doente tem no médico e nas equipas de saúde e poderia levar a uma liberalização incontrolável de "licença para matar" e à barbárie;


[editar] Código Deontológico do Enfermeiro

O Código Deontológico do Enfermeiro permite também orientar a análise e avaliação de opinião do enfermeiro aquando uma tomada de decisão, por forma a garantir uma actuação segura e legal.

  • Artigo 78º (Princípios gerais):
  1. As intervenções de enfermagem são realizadas com a preocupação da defesa da liberdade e da dignidade da pessoa humana e do enfermeiro.
  2. São valores universais a observar na relação profissional:
a) A igualdade;
b) A liberdade responsável, com a capacidade de escolha, tendo em atenção o bem comum;
c) A verdade e a justiça;
d) O altruísmo e a solidariedade;
e) A competência e o aperfeiçoamento profissional.
  1. São princípios orientadores da actividade dos enfermeiros:
a) A responsabilidade inerente ao papel assumido perante a sociedade;
b) O respeito pelos direitos humanos na relação com os clientes;
c) A excelência do exercício na profissão em geral e na relação com os outros profissionais.

(...)

  • Artigo 82º (Dos direitos à vida e à qualidade de vida):
O enfermeiro, no respeito do direito da pessoa à vida durante todo o ciclo vital, assume o dever de:
a) Atribuir à vida de qualquer pessoa igual valor, pelo que protege e defende a vida humana em todas as circunstâncias;
.b) Respeitar a integridade bio-psicossocial, cultural e espiritual da pessoa;
c) Participar nos esforços profissionais para valorizar a vida e a qualidade de vida;
d) Recusar a participação em qualquer forma de tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante.

(...)

  • Artigo 87º (Do respeito pelo doente terminal):
O enfermeiro, ao acompanhar o doente nas diferentes etapas da fase terminal, assume o dever de:
a) Defender e promover o direito do doente à escolha do local e das pessoas que deseja que o acompanhem na fase terminal da vida;
b) Respeitar e fazer respeitar as manifestações de perda expressas pelo doente em fase terminal, pela família ou pessoas que lhe sejam próximas;
c) Respeitar e fazer respeitar o corpo após a morte.

[editar] Bibliografia

  • ARCHER, Luís VVA – Bioética. Lisboa: Editorial Verbo
  • CUNDIFF, David – A Eutanásia não é a Resposta. Lisboa: Instituto Piaget, 1992. ISBN 972-8407-50-5;
  • HENNEZEL, Marie de – Diálogo com a morte. 2ª ed. Lisboa: Notícias Editorial, 1997. ISBN 972-46-0793-3;
  • HOTTOIS, Gilbert ; PARIZEU, Marie-Hélène – Dicionário da Bioética, Lisboa: Instituto Piaget, Atlas e Dicionários. ISBN 972-8407-72-6
  • ISRAËl, Lucien – A Vida até ao Fim: Eutanásia e outras derivas. Lisboa: Instituto Piaget, 1993. ISBN 972-8245-00-9;
  • NEVES, Maria do Céu Patrão – Comissão de Ética, das bases teóricas à actividade quotidiana, 2ª Edição revista e aumentada. C.E. de Bioética, Pólo dos Açores, Gráfica de Coimbra, 2002. ISBN 972-603-273.3;
  • PACHECO, Susana – Cuidar a Pessoa em Fase Terminal. 1ª Ed. Loures: Lusociência, 2002. ISBN 972-8383-30-4;
  • PINTO, Susana M. F., MOREIRA DA SILVA, Florido A . C. – A Incapacidade Física, Nursing. Lisboa. ISSN 0871- 6196: (Março 2004) 34 – 39;
  • SAPETA, Paula – O Doente Terminal e a Família: Realidades e Contextos, Nursing. Lisboa. ISSN 0871- 6196: (Dezembro de 1997) 28 – 31;
  • SILVA, Paula Martinho – Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina, Edições Cosmo, Lisboa, 1997. ISBN 972-762-050-7
  • SERRÃO, Daniel; NUNES, Rui – Ética em Cuidados de saúde, Porto Editora, Porto, 1998. ISBN 972-0-06033-6
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