Privatização
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Privatização, ou desestatização, é o processo de venda de uma empresa estatal do setor público - que integra o patrimônio de um governo - para o setor privado, geralmente por meio de leilões públicos.
O Chile é sempre citado como sendo um exemplo de como as privatizações deram certo.
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Aspectos gerais
Privatização, ou desestatização, é o processo de venda de uma empresa estatal do setor público - que integra o patrimônio de um governo - para o setor privado, geralmente por meio de leilões públicos.
Na opinião de economistas liberais, como o "Prémio de Ciências Económicas" Milton Friedman, seus objetivos principais são obter maior eficiência, reduzir despesas e gerar recursos. Para isso os governos devem vender suas empresas estatais.
Os que se opões às privatizações indiscriminadas de serviços públicos essenciais lembram que toda empresa privada tem seus próprios objetivos; o principal deles é seu lucro.
Este processo teve seu auge na década de 1980 nos países desenvolvidos e na década de 1990 na América Latina. Nessa última foi incentivada pelo Fundo Monetário Internacional - FMI, sendo uma das estratégias recomendadas pelo Consenso de Washington para acelerar o crescimento econômico.
A questão dos "monopólios naturais"
Uma das questões mais difíceis de serem equacionadas quando se adota um programa de privatização é a existência das atividades econômicas que se constituem em "monopólios naturais", também chamados de "monopólios de rede" (Network effects).
Os principais "monopólios naturais" são: o saneamento básico (esgotos), a distribuição de água, de energia elétrica e de gás encanado, a telefonia fixa, o Metrô e algumas ferrovias.
Estes setores têm em comum certas características: são fundamentais para a vida econômica e social de uma sociedade, apresentam significativas "externalidades" (isso é, qualquer transação feita entre dois indivíduos afeta um terceiro, ou a própria coletividade - beneficiando-os ou prejudicando-os), exigem grandes investimentos, de longo prazo de maturação, que são específicos para cada atividade - isso é, não são "recuperáveis".
Os problemas que surgem nas privatizações de "monopólios naturais", e suas possíveis soluções, são de análise bastante complexa e têm que ser objeto de um artigo especial: Monopólios Naturais (Natural Monopoly).
Decisões polêmicas: argumentos pró e contra
Em alguns países essas vendas são polêmicas, pois setores da sociedade, apoiados por alguns economistas neo-keynesianos, como o "Prémio de Ciências Económicas" Joseph E. Stiglitz [1]acreditam que essas privatizações podem se transformar numa simples "apropriação" [2] [3] das riquezas do Estado por alguns grupos privados privilegiados - que objetivam apenas obter lucro para si, nem sempre com isso aumentando o "bem estar" da população ou a riqueza do país. O jornalista Elio Gaspari cunhou o neologismo privataria para designar pejorativamente as privatizações brasileiras. [4]
Já os defensores da privatização, citando palavras supostamente atribuídas a Friedman, argumentam que:
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- "Subjacente à maioria dos argumentos contrários ao livre mercado está a falta de acreditar na própria liberdade" [ ] e que "Geralmente a solução do governo para um problema é tão ruim quanto o próprio problema".[ ]
Um dos argumentos contra a privatização é de que algumas empresas já são eficientes e geram lucros. Para exemplificar cita-se o fato da Petrobras [5] , a partir de 1 de dezembro de 2006, ter passado a compor o Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa, um seleto grupo que elenca as 34 mais bem administradas empresas brasileiras. É também notório o pioneirismo e liderança mundial da Petrobras na pesquisa e exploração de petróleo em águas profundas. Já o Banco do Brasil apresentou lucro de R$ 6,04 bilhões em 2006 [6]
A respeito disso, os defensores do livre mercado argumentam que a Petrobras é uma empresa de economia mista e não uma empresa pública, pertencendo ao Governo apenas o seu controle acionário.
Em 2006 as empresas estatais federais do Brasil não privatizadas [7] contribuíram, positivamente, com 2,38 bilhões de reais para a redução do déficit do governo central.[8]
Alguns setores apontam que esse número teria sido quase o dobro se o controle acionário da Vale ainda fosse detido pelo Tesouro Nacional do Brasil. No entanto os lucros da Companhia Vale do Rio Doce eram três vezes menores antes de sua privatização [9]. Contribuiu para isso a alta de 123,5% no preço internacional do minério de ferro, ocorrida entre 2004 e 2006. [9]
Embora a Petrobras [5], o Banco do Brasil [7] e a Vale, antes de sua privatização, já fossem empresas eficientes e bem sucedidas a nível mundial, nem todas as estatais brasileiras atingiram, ainda, esse nível de qualidade na sua gestão corporativa.
Setores que dão importância aos valores sociais argumentam que não se pode esquecer que a eficiência é só uma das facetas dessa questão. E o que importaria, em última análise, é saber qual seria o "real benefício" que a população de um país efetivamente obtém de uma determinada atividade econômica. Quanto a isto Friedman argumenta que:
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- (...)"Existem só 4 maneiras de uma pessoa gastar seu dinheiro. (...) Finalmente eu posso gastar o dinheiro dos outros com alguma outra pessoa. E se eu gasto o dinheiro de alguém com outro alguém, eu não me importo com o resultado. E isso é o Governo. E isso é cerca de 40% do PIB" (Milton Friedman). [10]
Cita-se como exemplo o Chile, que vendeu metade de suas minas de cobre. As minas administradas pelo governo do Chile têm-se revelado tão eficientes quanto as que foram vendidas.
Segundo Stiglitz, como uma parte dos lucros obtidos pelas minas vendidas às multinacionais é enviada ao exterior - sob forma de dividendos - enquanto os lucros das minas estatais são re-investidos no Chile, a população daquele país se beneficia muito mais das riquezas extraídas pelas minas ainda em poder do governo.[11]
No Brasil cita-se o exemplo da Vale que, privatizada, vem optando por investir seus lucros obtidos no Brasil na aquisição de minas no exterior. Adquiriu em 2006 a INCO no Canadá e em 2007 a AMCI Holdings na Austrália, [12] dizendo não encontrar no Brasil condições de investimento que repute igualmente atraentes.[13]
Alegam ainda os defensores das privatizações que as empresas privatizadas se veriam livres de corrupção e de pressões políticas prejudiciais às suas atividades. Citam como exemplo que na TELESP - Telecomunicações de São Paulo S. A. existiam 45 diretorias para livre nomeação do governo, cada qual com direito a seus respectivos assessores, secretárias, carro e verbas de representação.
Já os contrários à privatização (da maneira como foram realizadas) mencionam que as tarifas telefônicas subiram, em média, 117,78% acima da inflação, no período entre 1998 e 2005, e que a população brasileira não se beneficiou em nada com a economia de gestão havida. Além disso ponderam que essa alta real de tarifas (legalmente autorizada pelo contrato de concessão) em um insumo básico como a telefonia prejudicaria a competitividade internacional das empresas aqui sediadas. [14]
Para os que esposaram as teses defendidas no Consenso de Washington [15], as privatizações foram consideradas um "marco na superação da 'ineficiência administrativa' em setores-chave como o telefônico, a mineração e os transportes". Para seus defensores, "as privatizações possibilitam um alívio para as contas públicas, ao mesmo tempo em que resultam na submissão das companhias às regras de mercado, consideradas pelos neoliberais superiores à administração pública".
Resultados obtidos no Brasil
O Brasil, por exemplo, realizou um enorme e polêmico programa de privatizações, durante o governo FHC, que apesar de gerar 78,61 bilhões de dólares de receita para o Estado, não impediu o país de continuar se endividando - a dívida pública do Brasil, que era de US$ 60 bilhões em julho de 1994, saltou para US$ 245 bilhões em novembro de 1998 - nem ajudaram em nada o país a crescer de forma significativa.[1].
O sistema de empresas de economia mista que administrava a telefonia no Brasil, por intermédio da Telebrás, não atendia a população de maneira adequada. Com a privatização de apenas 19% do total das ações da Telebrás (que formavam seu controle acionário), o governo federal arrecadou 22 bilhões de reais, e o sistema recebeu ainda investimentos da ordem de 135 bilhões de reais dos compradores privados [16], tornando a telefonia fixa um serviço universalmente acessível nas cidades, embora ainda permaneça deficiente nas áreas rurais, onde sua operação é menos lucrativa.
O número total de telefones fixos no Brasil passou de 16,6 milhões em 1998 para 35 milhões em 2006. Já os telefones celulares deram um salto: passaram de 7,4 milhões para 95 milhões. No caso dos celulares a comparação entre os dois números é mais complexa: deve-se lembrar que, além do "fator privatização", contribuiu para o grande aumento no número de celulares em operação o extraordinário progresso tecnológico dessa modalidade que nascia, permitindo que os preços internacionais desses aparelhos portáteis se reduzissem acelerada e continuamente desde 1998, o que permitiu que se tornassem acessíveis às classes de renda mais baixas; esse foi um fenômeno mundial. [16]
A privatização da Telebrás pode ser mencionada como sendo uma das privatizações que mais deram certo no Brasil.
Críticos das privatizações argumentam que, além do aumento da dívida, houve uma diminuição do patrimônio líquido do Estado (a dívida aumentou e já não se tem mais as propriedades),[3] além de não ter havido nenhum aporte de novos recursos financeiros, uma vez que os "investidores" nas estatais as adquiriram utilizando, em grande parte (quando não em 100%, como no caso da Eletropaulo), recursos obtidos a juros subsidiados do próprio governo, que vendia suas empresas concedendo financiamentos do BNDES e dos fundos de pensão.
Os defensores das privatizações argumentam que houve um grande aumento do número de empregos em empresas após sua privatização, o que é verdade em alguns casos, como na Companhia Vale do Rio Doce. Já na telefonia esse aumento foi de cerca de 5%. [16]
O conturbado e questionado processo de privatização brasileiro é freqüentemente chamado de privataria por seus críticos. Esta conturbação não ocorreu apenas no Brasil: deu-se em todos os países do mundo que embarcaram, sem maiores questionamentos, nas recomendações que então fazia o FMI. Nesse sentido, Stiglitz chegou a chamar certos processos de privatizações de "briberizations" [1] ("propinizações").
Trata-se, portanto, de assunto polêmico, que encontra defensores e críticos em várias correntes do pensamento econômico. É uma das grandes discussões do mundo atual, principalmente em países subdesenvolvidos que, na sua quase totalidade, se viram praticamente forçados pelo FMI a fazer essas experiências, cujos efeitos, hoje, alguns economistas, - como o Prêmio Nobel Stiglitz - consideram que foram mais prejudiciais do que vantajosos. [15]
Sendo a "modernidade" um dos mitos legitimadores do discurso neoliberal, seus defensores tentam classificar as privatizações como sendo modernas. Na realidade, processos semelhantes já tinham sido utilizados no Brasil desde os fins do século XIX, com resultados questionáveis.[4]
Depois de 2004 mesmo aqueles que, originalmente, mais defendiam o "rationale" das privatizações (como Ricardo da Costa NUNES), já não mantêm mais o mesmo entusiasmo dogmático que esteve em voga no início da década de 1990 e começam, também, a ter suas dúvidas quanto aos resultados das privatizações:
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- Os resultados obtidos pelo programa até o presente momento, contudo,não nos permitem afirmar que os objetivos estejam sendo atingidos. Para Werneck (1989,p.321) não se deve esperar muito da privatização: "Pode-se defender o programa de privatização de várias formas. O que não se pode é vê-lo como uma alternativa indolor a um efetivo ajuste fiscal."'
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- Este também parece ser o argumento de Giambiagi e Pinheiro (1992: 282): "a privatização não é necessária ou suficiente para atingir todos os objetivos propostos pelo governo". Assim, se a privatização não for conjugada a outras medidas de austeridade fiscal, a persistência de elevada taxa de juros e os sucessivos déficits públicos podem fazer retornar a dívida abatida ao patamar atual.[17]
A privatização no Brasil
A participação do Estado na economia
O processo de privatização no Brasil representou uma mudança radical do papel, até então preponderante, reservado ao Estado na atividade econômica. Desde o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), quando se implantou uma vigorosa política de substituição das importações, ficou assentado que os grandes empreendimentos, de interesse estratégico para o desenvolvimento do país, deveriam ficar sob tutela estatal. Criaram-se então, a Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Companhia Vale do Rio Doce (1942), e a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (1945). No seu segundo governo (1951-1954), foi fundada a Petrobrás - Petróleo Brasileiro S/A (1953).
Já então a atividade bancária estava de há muito fortemente ancorada no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal, estabelecimentos oficiais de crédito, que atuavam ao lado de outras poucas instituições financeiras, a maioria em mãos do capital estrangeiro, à execção de pequenas instituições de alcance regional.
Coube ainda a Getúlio idealizar e fundar, em 1952, um banco de fomento, nos moldes do Eximbank dos Estados Unidos: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, hoje com a denominação de Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, com capital integralmente subscrito pela União.
Criado com a finalidade de financiar empreendimentos privados, o BNDES permitiu o avanço industrial do Brasil, com a implantação, em especial, da indústria automobilística, já no governo de Juscelino Kubitschek. No entanto, sua atuação foi desvirtuada, pois acabou por se transformar em instituição que, a pretexto de socorrer empresas privadas em dificuldade, estatizou diversas delas, a ponto de ser chamado pejorativamente de hospital de empresas falidas.
Foi, porém, durante o regime militar (1964-1985) que a estatização da economia experimentou seu maior incremento, com a criação pelos governos federal e estaduais de um grande número de empresas estatais, que, por sua vez, criavam subsidiárias. Isso tornava difícil até quantificar seu número exato, sendo certo que se aproximavam de 500. Tais empresas atuavam em setores estratégicos, mas também em áreas de menor importância como hotelaria e supermercados. Chegou-se ao extremo de se criar uma empresa estatal para realizar apenas uma obra: a construção da Ponte Rio-Niterói. O grande objetivo que circundava as criações de estatais pelos militares era o de aumentar o nacionalismo no país.
Coincidência ou não, foi também durante o regime militar que o Brasil experimentou seus mais altos níveis de crescimento econômico, - que chegaram a atingir mais de 13% em um único ano, quando Delfim Netto ocupava o cargo de Ministro da Fazenda.
Medidas uniformizadoras
As empresas estatais eram submetidas à supervisão de diversos ministérios, cada qual impondo suas regras próprias de administração. Critérios técnicos não raro eram preteridos por razões de conveniência política. Por exemplo, aumentos de capital eram decididos sem a prévia definição de recursos orçamentários para esse fim, revelando nenhuma preocupação com relação a seus reflexos sobre o gasto público em geral.
Para impor alguma uniformidade à gestão empresarial, decidiu-se concentrar seu controle na área econômica do Governo, por meio de órgãos subordinados à então Secretaria de Planejamento da Presidência da República e ao Ministério da Fazenda.
Assim, foi criada a Secretaria de Controle de Empresas Estatais – SEST (1979), voltada para a eficiência da gestão, e, em 1980, atribuiu-se à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a competência para representar a União na assembléia geral das empresas estatais. Em 1986, já no Governo de José Sarney, foi criada a Secretaria do Tesouro Nacional, com a atribuição, entre outras, de administrar os ativos da União junto às empresas estatais. Mas como a supervisão ministerial foi mantida, essas medidas tiveram eficácia relativa.
Podia a SEST recomendar a privatização de empresas, mas nada de significativo foi feito na década de 80, salvo a devolução à iniciativa privada de empresas em dificuldades econômicas absorvidas pelo Estado.
Privatizações no Governo Collor
Fernando Collor de Mello (1990-1992) foi o primeiro presidente brasileiro a adotar as privatizações como parte de seu programa econômico, ao instituir o PND – Programa Nacional de Desestatização pela Lei nº 8.031, de 1990. No entanto, das 68 empresas incluídas no programa, apenas 18 foram efetivamente privatizadas, pois Collor teve sua ação obstaculizada com os problemas surgidos na privatização da Viação Aérea São Paulo – VASP.
Apesar de ser uma empresa estadual e sua privatização estar sendo conduzida pelo governo paulista, houve significativa ingerência de pessoas ligadas ao presidente, apontadas como tendo interesse financeiro na privatização, notadamente seu irmão Leopoldo Collor de Mello e seu cunhado e chefe da Casa Civil, Márcio Coimbra, o que levou a uma investigação por parte do Congresso Nacional.
A privatização das empresas siderúrgicas começou com a extinção da empresa holding Siderurgia Brasileira S.A. – SIDERBRAS , após absorver os passivos das empresas subsidiárias. A primeira estatal privativada, no dia 24 de outubro de 1991, foi a USIMINAS, siderúrgica mineira localizada no município de Ipatinga/MG, fato que gerou grande polêmica na época pois, das empresas estatais, ela era uma das mais lucrativas.
O grande beneficiário no processo de privatização de siderúrgicas foi o Grupo Gerdau, que adquiriu a maior parte das empresas. A Companhia Siderúrgica Nacional, marco pioneiro da presença do Estado na economia, foi adquirida pelo grupo liderado pelo empresário Benjamin Steinbruch, que mais tarde adquiriria a Companhia Vale do Rio Doce.
Com o impedimento de Collor e a posse de Itamar Franco (1992-1995), nitidamente contrário às privatizações, o processo não foi adiante, não obstante a presença de Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda. Em seu governo, apenas concluiu-se a privatização de empresas do setor siderúrgico, iniciada por Collor.
Privatizações no Governo FHC
Com a criação do Conselho Nacional de Desestatização, pela Lei nº 9.491, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), adotando sem restrições as recomendações, então em vigor, do Consenso de Washington e do FMI deixou claro seu propósito de implementar um amplo programa de privatizações. Ao mesmo tempo, fez bem sucedidas gestões na área política e financeira para enquadrar os Estados no programa, condicionando as transferências de recursos financeiros da União para os Estados à submissão dos governadores às políticas recomendadas pelo FMI.
Enquanto a quase totalidade dos economistas neoliberais apoiava a concepção do projeto de desestatização, vários economistas de outras escolas de pensamento econômico, vários partidos de oposição, sindicatos trabalhistas e suas respectivas centrais sindicais, bem como muitos juristas renomados e outros setores representativos da sociedade civil manifestaram-se contrários ao processo de privatização tal como fora anunciado; tentaram, sem sucesso, inviabilizá-lo por meio de manifestações e medidas judiciais. Os leilões de privatização, que foram públicos, se realizaram na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e foram objeto de violentos protestos de militantes esquerdistas.
Sobre esses leilões comenta Stiglitz:
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- Os Governos se tornaram peritos em manter uma aparente fachada de privatização imaculada realizando as vendas através de leilões públicos. Mas eles pré-qualificavam os licitantes - e qualquer um que ameaçasse a venda ao preço descontado para o 'amigo íntimo' do governante seria desqualificado. Poderiam dizer que a oferta indesejada foi apresentada fora do prazo, que o licitante não comprovou adequadamente a existência de recursos financeiros, e assim por diante[18]
Um evento que parece corroborar a tese de falta de lisura desses leilões seria o da privatização da Eletropaulo. No caso, a licitante - a AES americana - que estava em situação pré-falimentar [19] no seu país de origem, obteve a liberação de um financiamento do BNDES no valor de 100% da aquisição. Como a empresa privada americana AES, que adquiriu o controle da Eletropaulo, não pagou nem a primeira parcela do financiamento, o BNDES, uma empresa pública brasileira, viu-se obrigada, pela legislação bancária vigente, a lançar em "provisão para devedores duvidosos" (prejuízo), no primeiro trimestre de 2003, a importância correspondente a 100% do valor que havia emprestado à AES. Isso gerou um prejuízo recorde de R$ 2,4 bilhões ao BNDES naquele trimestre. Desta forma sofisticada e de difícil compreensão para a maioria da população brasileira, especuladores internacionais, sem desembolsar um único dólar, operaram a "transferência dos recursos públicos para a propriedade privada de grupos privilegiados sob um aparente manto de legalidade" como bem descreveu Stiglitz. Com isso, o Poder Público não recebeu efetivamente nada pela venda da Eletropaulo: já que o BNDES fornecera todo o aporte necessário para a aquisição da antiga estatal. [20]
Numa segunda etapa, para tentar minorar o enorme prejuízo sofrido pelo banco público, que chegou a ter sua solidez financeira abalada por essa operação de "privatização" da Eletropaulo, seu presidente Carlos Lessa conseguiu obter, após 11 meses de duras negociações, um acordo no qual o BNDES recebeu como dação em pagamento pela dívida da AES "50% menos uma das ações da Eletropaulo" e mais "debentures conversíveis em ações emitidas pela AES, pagáveis em nove anos". [21] Ou seja, o BNDES forneceu a totalidade do dinheiro para a "privatização" e acabou ficando só com metade menos uma das ações da antiga empresa pública. [20] Uma ação criminal foi proposta pelo Ministério Público contra os então administradores do BNDES responsáveis pela operação, tendo sido a denúncia aceita pelo Poder Judiciário[22]
Críticas partiram também de vários economistas e do meio acadêmico que, embora estivessem de acordo com a filosofia do programa, viam nele duas grandes falhas. A primeira era a possibilidade de os eventuais compradores poderem efetuar parte do pagamento com as chamadas "moedas podres", títulos da dívida pública emitidos pelos sucessivos governos com o objetivo de resolver crises financeiras e que, ao se tornarem inegociáveis, pressionavam o déficit público. Criticava-se não só a possibilidade de esses títulos serem aceitos, mas que o fossem pelo seu valor de face, quando seu valor de mercado era nulo ou quase nulo; isso deu um "windfall gain" considerável a seus detentores..
A segunda falha, na visão dos críticos, era permitir, tal como no caso da Eletropaulo acima citado, que o BNDES financiasse parte do preço de compra (no caso da Eletropaulo o aporte foi de 100% e a compradora, a AES, não teria pago em dia nem a primeira prestação). [23] Ou seja, recursos públicos em tais casos seriam indevidamente utilizados na compra do patrimônio público por empresas privadas, o que se configuraria em uma indevida "apropriação"[24] do patrimônio da nação por grupos privados privilegiados. O acesso ao crédito seria assegurado inclusive aos compradores estrangeiros, teoricamente em desacordo com a tradição seguida, até então, pelo banco nacional de fomento.
O resultado final das privatizações revelou um aspecto peculiar do programa brasileiro: algumas aquisições somente foram feitas porque contaram com a participação financeira dos fundos de pensão das próprias empresas estatais (como no caso da Vale) ou da participação de empresas estatais de países europeus; o controle acionário da Light Rio, por exemplo foi adquirido pela empresa estatal de energia elétrica da França.
Ao longo dos oito anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso, as privatizações lograram atingir a receita total de US$ 78,61 bilhões, sendo 95% em moeda corrente (nessa percentagem estão incluídos os financiamentos concedidos pelo BNDES), e com grande participação dos investidores estrangeiros, que contribuíram com 53% do total arrecadado. Deste total, US$ 22,23 bilhões referem-se à privatização do setor elétrico e, US$ 29,81 bilhões à do setor de telecomunicações.
Companhia Vale do Rio Doce
A primeira grande empresa estatal a ser privatizada no governo FHC foi a Companhia Vale do Rio Doce, atualmente, uma das maiores mineradoras do mundo e líder mundial na exportação de minério de ferro.
Curiosamente, a Vale não constava da relação anexa à Lei nº 9.491, na sua redação original, mas sua privatização teve preferência sobre as demais devido a pressão dos concorrentes internacionais da empresa, interessados em sua aquisição.
Na elaboração do modelo de privatização teve participação importante a economista Elena Landau, então diretora de desestatização do BNDES, a quem se acusava de tomar decisões contrárias aos interesses nacionais [25]. Já era casada com Pérsio Arida, sócio de Daniel Dantas no Banco Opportunity, que foi um dos bancos que mais comprou empresas privatizadas no Brasil.
Acorreram ao leilão, realizado em, em 6 de maio de 1997, os grupos liderados pelos empresários Benjamin Steinbruch e Antonio Ermírio de Morais, vencido pelo primeiro, em associação com dois fundos de pensão ( Litel e Litela, administrados pela Previ) e grupos nacionais empresariais e estrangeiros.
A empresa, já sob domínio privado, beneficiou-se do grande aumento no preço mundial do minério de ferro, o principal produto vendido pela Vale - que subiu 123,5% desde o inícios de 2005 até o final de 2006[26] - o que lhe permitiu crescer e se desenvolver de forma acelerada. E em outubro de 2006, com os lucros obtidos no Brasil, comprou a mineradora canadense Inco, que incorporou como sua subsidiária integral, em janeiro de 2007, tornando-se a segunda maior mineradora do mundo.
Telefonia fixa
Para a privatização dos serviços de telefonia fixa, houve o desmembramento do patrimônio da empresa estatal Telecomunicações Brasileiras S.A. – TELEBRÁS, realizando-se leilões separados para os serviços do Estado de São Paulo, da Região Sul juntamente com a Região Centro-Oeste e das demais regiões do país, adjudicados, respectivamente, para a Telefônica de Espanha, Telecom Itália, depois substituída pela Brasil Telecom, e Telemar.
Foi problemática a participação da Telemar, empresa de capital nacional constituída especialmente para o leilão, que não seria a preferida do governo para vencer a licitação, diante da dúvida em sua capacidade de honrar os compromissos financeiros assumidos, o que de certa forma se confirmou, levando a alterações em sua composição acionária.
Nas alterações ocorridas na Telemar, como na aquisição da Itália Telecom pela Brasil Telecom, desponta a atuação do Banco Opportunity e seu controlador, o polêmico banqueiro Daniel Dantas. Especulações sobre sua participação nesses episódios, que envolvem espionagem, suborno e tráfico de influência, até hoje ocupam espaço na mídia e resultaram em um sem-número de ações judiciais.
Foi também privatizada a Empresa Brasileira de Telecomunicações – EMBRATEL, responsável pelas ligações telefônicas de longa distância e pelos serviços de teleconferência., adquirida pela empresa norte-americana MCI Communications, que depois se envolveria em um rumoroso caso de administração fraudulenta nos Estados Unidos. Atualmente, é controlada pela mexicana TELMEX.
Outros setores da economia
A geração de energia elétrica continua em mãos do Estado, por intermédio da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobrás. A participação da iniciativa privada neste setor é permitida, mas resultou em investimentos de menor vulto, em parte por conta da precária regulamentação legal a respeito e, por outro lado, pelo desinteresse da iniciativa privada em fazer investimentos de longuíssimo prazo de maturação e que oferecem rendimentos apenas moderados.
O governo Lula anunciou que pretende, no seu segundo mandato, transformar a Eletrobrás na Petrobras da eletricidade. [27]
Os bancos estaduais, tornados altamente ilíquidos pelo uso político que deles faziam os governadores, e que eram considerados "uma ferida aberta" [28] pelo ministro da Fazenda Gustavo Franco, por estarem continuamente fazendo uso do "redesconto" no Banco Central (uma espécie de "cheque especial" para bancos), foram inicialmente "federalizados", isto é transferidos para a esfera federal e "saneados" por administradores nomeados pelo Ministro da Fazenda. (Para fazer esse "saneamento" o Governo Federal trocou os títulos que lastreavam as carteiras dos bancos estaduais, muitos de difícil recebimento, por títulos do Tesouro Nacional, que valem como dinheiro, assumindo o assim Tesouro Nacional todos os riscos). A quase totalidade desses bancos foi adquirida pelos bancos privados Bradesco e Itaú, depois de terem sido "saneados" com os recursos do Tesouro Nacional.
O Banco do Estado de São Paulo – Banespa, que era o principal banco de fomento de São Paulo - que fora "federalizado" sob protestos do próprio governador Mário Covas [29] foi vendido, pelo governo FHC, ao Banco Santander, de capital espanhol. Mário Covas conseguiu, entretanto, vetar a privatização da Nossa Caixa, conseguindo que o governo federal concordasse que ela fosse "saneada" com recursos do PROES.[28]
Hoje, apenas os estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, do Espírito Santo, de Santa Catarina, além do Distrito Federal mantém bancos sob seu controle acionário.
Para regulamentar e fiscalizar os serviços públicos prestados pelas empresas privatizadas foram criadas, na estrutura do Governo Federal, agências reguladoras, cujos dirigentes têm mandato por período certo de tempo, como forma de evitar ingerências de caráter político.
Balanço geral
No período de 1991 a maio de 2000, ocorreu no Brasil a privatização de 65 empresas e participações acionárias estatais federais, nos seguintes setores: elétrico, petroquímico, de mineração, portuário, financeiro, de informática e de malhas ferroviárias. Muitos Estados e Municípios foram compelidos pelo Governo Federal, mediante condicionamentos financeiros, a privatizar seus ativos; assim foram privatizados em São Paulo a Fepasa e o Banespa, este último sob protestos do então governador Mário Covas [29].
Até maio de 2000, o conjunto de privatizações, incluídas as empresas constantes do PND, o setor de telecomunicações e empresas estatais dos Estados, gerou receita total de US$ 91,1 bilhões, inclusive débitos transferidos.
Chile - Experiência pioneira do neoliberalismo
O Chile, quando da vitória de Pinochet, em 1973, adotou um plano de ação chamado de O Ladrilho - que fora preparado pelo canditado da direita, com o auxílio de um grupo de jovens economistas, chamados pela imprensa internacional da época, os Chicago Boys, provenientes da Universidade de Chicago. Este documento continha os fundamentos do que, depois, viria a ser chamado de neoliberalismo.[30]
Ver também
Bibliografia
- ((es)) ALDUNATE, Arturo Fontaine. La historia no contada de los economistas y el Presidente Pinochet. Santiago do Chile : Zig-Zag, 1988.
- ((es)) MONCKEBERG, María Olivia. La Privatización de las Universidades. Una historia de dinero, poder e influencias, Editorial Copa Rota, Santiago, 2005, 603 pp.
Referências
- ↑ 1,0 1,1 1,2 ((en)) STIGLITZ, Joseph E.Making Globalization Work. New York, London: W. W. Norton, 2006. p.142.
- ↑ VALENTE, Jonas. VALE DO RIO DOCE: Parlamentares apóiam revisão do processo de privatização São Paulo: Agência Carta Maior, Economia, 17/02/2006
- ↑ 3,0 3,1 ((es)) MONCKEBERG, María Olivia. El Saqueo: de los grupos económicos al Estado chileno. Ediciones B Chile, Santiago do Chile, 2001, 269 pp.
- ↑ 4,0 4,1 GASPARI, Helio. Grande retrato do rei da privataria.Folha de S. Paulo, 09/08/2006.
- ↑ 5,0 5,1 Petrobras entra no grupo de empresas com valor de mercado superior a US$ 100 bilhões Economia, O Dia Online, 4/1/2007
- ↑ Banco do Brasil registra lucro líquido de R$ 6,04 bilhões em 2006. Valor. UOL Economia, 27/2/2007, 08h07.
- ↑ 7,0 7,1 O BB alcançou o sétimo lugar no ranking dos bancos que mais lucraram nos EUAe na América Latina. CartaCapital, no. 407, agosto 2006.
- ↑ FERNANDES, Adriana e FREIRE, Gustavo. Estatais salvam superavit primário. São Paulo: O Estado de S. Paulo, Economia, p.B1, 23 de Dezembro de 2006.
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