Neoliberalismo
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Neoliberalismo é um termo que foi usado em duas épocas com dois significados semelhantes, porém distintos. Na primeira metade do século XX significou a doutrina proposta por economistas franceses, alemães e norte-americanos voltada para a adaptação dos princípios do liberalismo clássico às exigências de um Estado regulador e assistencialista.
A partir da década de 1970 passou a significar a doutrina econômica que defende a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só devendo esta ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim num grau mínimo (minarquia). É nesse segundo sentido que o termo é mais usado hoje em dia. [1]
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As origens
Quando se afirma a existência de 'neoliberais', a utilização do prefixo 'neo' refere-se menos a uma nova corrente do Liberalismo e mais à aplicação, simplificada, dos preceitos liberais consagrados num contexto histórico diverso daquele no qual foram formulados (qual seja, na contemporaneidade). A denominação 'neoliberal' assemelha-se, pois, ao termo 'neoclássico' na História da Arte.
As origens do hoje se chama neoliberalismo remetem à Escola Austríaca [2] , nos finais do século XIX, com o Prêmio de Ciências Econômicas Friedrich von Hayek [3], considerado o propositor da sua base filosófica e econômica e Ludwig von Mises [4].
A Escola Austríaca [2] adotava a Lei de Say e a teoria marginalista, que veio a ser contestada, mais tarde, por Keynes, quando este formulou, na década de 1930, sua política Keynesiana e defendeu as políticas econômicas com vistas à construção de um estado de bem-estar social - hoje em dia também chamado, por alguns, de Estado Escandinavo - por ter sido esse caminho o adotado pelos países escandinavos (ou países nórdicos) tais como a Suécia, a Dinamarca e a Noruega e a Finlandia. [5]
Mais recentemente, o liberalismo ressurgiu, em 1947, do célebre encontro entre um grupo de intelectuais liberais e conservadores realizado em Monte Pèlerin, na Suíça, onde foi fundada uma sociedade de ativistas em oposição às políticas do estado de bem-estar social, por eles consideradas "coletivistas" e, em última análise, "cerceadoras das liberdades individuais" [4] A Mont Pèlerin Society dedica-se a difundir e propagar as idéias conservadoras e liberais da Escola Austríaca e a combater ideologicamente todos os que delas divergem. Com esse objetivo promove conferências, publica livros, mantém sites na internet e conta para isso, em seus quadros, com vários economistas com treinamento acadêmico, como Jesús Huerta de Soto [2], seu vice-presidente e professor da Universidade de Madrid
Essas idéias atraíram mais adeptos depois da publicação, em 1942 na Inglaterra, do Relatório Benveridge [6] , um plano de governo britânico segundo o qual - depois de obtida a vitória na segunda grande guerra - a política econômica britânica deveria se orientar no sentido de promover uma ampla distribuição de renda, que seria baseada no tripé da Lei da Educação, a Lei do Seguro Nacional e a Lei do Serviço Nacional de Saúde (associadas aos nomes de Butler, Beveridge e Bevan). [6]
A defesa desse programa tornou-se a bandeira com a qual o Partido Trabalhista inglês venceu as eleições de 1945, colocando em prática os princípios do estado de bem-estar social. [6]
Para Friedrich von Hayek, o mais famoso teórico do ultra-liberalismo, esse programa levaria "a civilização ao colapso". Escreveu, então, um livro considerado o Manifesto do Neoliberalismo , chamado O Caminho da Servidão (1944). Nele von Hayek expôs os princípios mais gerais da sua doutrina que era basicamente privativista, (embora ele aceitasse a intervenção estatal em uns poucos casos), na qual alegava que o crescente controle do estado levaria fatalmente à completa "perda da liberdade", e afirmava que os trabalhistas levariam a Grã-Bretanha ao mesmo caminho dirigista que os nazistas haviam imposto à Alemanha.[6] É importante ressaltar que essas posições de von Hayek não são baseadas exclusivamente em leis econômicas da ciência pura da economia; incorporam um grande componente político-ideológico. Isso explica por que Gunnar Myrdal, que ironicamente dividiu com von Hayek o mesmo Prêmio de Ciências Econômicas, defendia nesses aspectos posições diametralmente opostas às de von Hayek.
Essa discussão, que se iniciou no campo da teoria econômica, transbordou - na Inglaterra - para o campo da discussão politico-partidária e serviu de mote à campanha que elegeu Winston Churchill, pelo Partido Conservador, o qual chegou a dizer que "os trabalhistas eram iguais aos nazistas".[6]
Uma outra vertente do liberalismo surgiu nos Estados Unidos da América e concentrou-se na chamada Escola de Chicago, defendida vigorosamente por um laureado com o Prêmio de Ciências Econômicas, o professor Milton Friedman.
Milton Friedman insurgiu-se contra as políticas econômicas inauguradas por Roosevelt com o New Deal, que respaldaram, na década de 1930, a intervenção do Estado na Economia com o objetivo de fazer reverter uma depressão e uma crise social sem precedentes que ficou conhecida como a crise de 1929. Essas políticas, adotadas quase simultaneamente por Roosevelt nos Estados Unidos e por Hjalmar Schaact [7] na Alemanha nazista foram, 3 anos mais tarde, racionalizadas por Keynes em sua obra clássica [8]. A esse fenômeno de ressurgência dos princípios liberais do início do século XX, readaptados pelas teorias de Friedrich von Hayek, se chamou neoliberalismo .
Friedman combatia a política do New Deal, do Presidente Franklin Delano Roosevelt, que considerava "intervencionista e pró-sindicatos".
Friedman era contra qualquer regulamentação que inibisse as empresas e condenava até mesmo o salário mínimo, na medida em esse aumentaria, artificialmente, o valor da mão-de-obra pouco qualificada. Também opunha-se a qualquer piso salarial fixado pelas categorias sindicais, pois segundo ele, estes pisos distorciam os custos de produção o que, em sua opinião, causaria alta de preços e inflação. Friedman defendeu a teoria econômica que ficou conhecida como "monetarista" ou "escola de Chicago" [6]
Já o professor de Yale James Tobin, Prêmio de Ciência Econômicas em 1981 foi um severo crítico das teorias de Friedman e do monetarismo e defendia a intervenção governamental nas economias nacionais [9]
A crise do liberalismo
O declínio do liberalismo clássico remonta ao final do século XIX quando começou a declinar lentamente. Com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, e a subsequente Grande Depressão, a queda foi vertiginosa. A partir daí, caiu em descrédito, ao passo que ganharam força teorias de intervenção do Estado na economia, notadamente as idéias de Keynes, aplicadas, quase simultaneamente, pelo plano do New Deal do presidente norte-americano Franklin Roosevelt e pelo governo Nacional Socialista da Alemanha de Hitler, onde seu ministro da economia Horace Greely Hjalmar Schacht [10] (1934–37), nesses três anos, enquanto o resto do mundo se afundava ainda mais na recessão, conseguiu acabar com o desemprego na Alemanha Nazista, sem provocar inflação, adotando um déficit orçamentário que chegou a atingir 5% do PIB alemão. Estas políticas já tinham sido incorporadas à legislação alemã no final de 1932 pelo governo de Kurt von Schleicher [11] e tiveram influência nas políticas do New Deal de Roosevelt. Em 1936 Keynes publicou sua obra magna The General Theory of Employment, Interest and Money [12] que veio a dar o suporte teórico a esse tipo de intervenção governamental na economia, a qual já vinha sendo adotada, intuitivamente, uns poucos anos antes da publicação do livro de Keynes.
Em 1944, os países ricos criaram os acordos de Bretton Woods e estabeleceram regras intervencionistas para a economia mundial. Entre outras medidas, surgiu o FMI. Com a adoção das metas dos acordos de Bretton Woods e a adoção de políticas keynesianas, os 30 anos seguintes foram de rápido crescimento nos países europeus e no Japão, que viveram sua Era de Ouro. A Europa renascia, devido ao financiamento conseguido por meio do Plano Marshall, e o Japão teve o período de maior progresso de sua história. O período de pós-guerra, até o início da década de 1960 foram os "anos dourados" da economias capitalistas.
Liberalismo com nova roupagem: o neoliberalismo
Contradições inerentes aos "Anos Dourados" do capitalismo levaram ao fim da prosperidade. A instabilidade econômica começa a se manifestar no fim da década de 1960 e irrompe com força na década de 1970, causada por dois choques sucessivos nos preços mundiais do petróleo - o que acabou por tornar evidente que seria impossível sustentar a conversibilidade do dólar em ouro (e provocou o colapso do acordo de Bretton Woods) - e pelo endividamento excessivo a que se submeteram os países subdesenvolvidos em seu afã de tentar superar a crise do petrolífera. Taxas de lucratividade continuamente decrescentes e um mercado de ações moribundo nos Estados Unidos, associados a uma alta contínua da inflação nos países desenvolvidos ( "estagflação" ) levou ao surgimento de um forte movimento, liderado principalmente pelos interesses financeiros internacionais e pelas grandes empresas multinacionais, no sentido de reduzir o poder regulatório dos Estados nacionais na economia. A "mão invisível" [13] mencionada por Adam Smith substituiria (com vantagem, segundo os neoliberais) os controles governamentais até então existentes e as restrições ao livre fluxo de mercadorias, criando assim uma economia globalmente liberalizada. A esse projeto econômico-político, que foi liderado pelos países desenvolvidos, especialmente pelos Estados Unidos e Grã-Bretanha, chamou-se de neoliberalismo globalizante.
A mudança do sistema intervencionista "keynesiano"-"desenvolvimentista", que vigia anteriormente na maior parte do mundo capitalista, para esse "novo sistema" neoliberal não era inevitável; ao contrário, a globalização neoliberal foi um processo escolhido pelas elites político-econômicas mundiais, especialmente as dos Estados Unidos e Grã-Bretanha, por estas acreditarem que esse processo melhor atenderia a seus interesses econômicos do momento turbulento que atravessam (Crotty 2002). [14] Os defensores da globalização neoliberal usaram em seu discurso "globalista-liberalizante" a teoria econômica "neoclássica", que reza que, em não havendo intervenção econômica governamental excessiva, tanto as economias nacionais quanto a economia mundial operará de forma eficiente, conforme os modelos dos mercados "perfeitamente competitivos" constantes dos livros-texto escolares de economia. [15]
Assim o liberalismo econômico gradativamente voltou à pauta, com a alcunha de neoliberalismo. Após alguns anos de experiências, diagnósticos e "tateações", iniciadas pelos Chicago Boys no Chile de Pinochet, o neoliberalismo surge com força e toma sua presente forma no final da década de 1970 com o "Thatcherismo" e o "Reaganismo".
Os críticos do neoliberalismo, por outro lado, sustentavam que o abandono da meta de crescimento pelos países subdesenvolvidos diminuiria o ritmo de crescimento de seus PIB's e geraria um maior desemprego. Por sua vez, um maior desemprego e o discurso pela "flexibilização" das leis trabalhistas diminuiria a renda real dos salários e aumentaria a desigualdade econômica. A liberalização financeira conduziria a a altas taxas de juros reais e a uma maior instabilidade nos mercados financeiros globais, especialmente nos países subdesenvolvidos. Os países subdesenvolvidos que optassem por trocar suas políticas intervencionistas keynesianas pelo neoliberalismo estariam mais sujeitos a ter um crescimento econômico menor no longo prazo.
Embora tanto os neoliberais quanto seus opositores "selecionem" dados estatísticos em suas argumentações, o que torna mais difícil se chegar a uma conclusão isenta, nessas últimas duas décadas o maior peso da evidências favorece os argumentos dos críticos ao neoliberalismo. O crescimento econômico mundial e a taxa de acumulação de capital fixo diminuíram sensivelmente em relação aos "Anos Dourados" (1950-1973). A produtividade diminuiu, o crescimento real de salários declinou e a desigualdade econômica aumentou na maioria dos países. O trabalho que analisa o crescimento econômico a longo prazo mais universalmente aceito é o de Angus Maddison, elaborado para a OCED - Organisation for Economic Co-operation and Development. Este estudo demonstra que a taxa anual de crescimento global caiu de 4,9% no período dos "Anos Dourados" ( 1950-1973) para 3% no período 1973-1998, o que representou uma queda de 39%. Em termos "per capita" a queda foi de 55%. Na América Latina o crescimento do PIB da média de seus países caiu 43% entre esses dois períodos.
Os neoliberais, liderados por economistas adeptos do laissez-faire como Milton Friedman, denunciaram a inflação como sendo o resultado do aumento da oferta de moeda pelos bancos centrais. Responsabilizaram os impostos "elevados" e os tributos "excessivos", juntamente com a regulamentação das atividades econômicas, como sendo os culpados pela queda da produção e do aumento da inflação. [6]
A solução que propunham para a crise seria a redução gradativa do poder do Estado, com a diminuição generalizada de tributos, a privatização [16] das empresas estatais e redução do poder do Estado de fixar ou "autorizar" preços.
Diminuindo ou neutralizando a força dos sindicatos, haveria novas perspectivas de emprego e investimento, o que (segundo ensinara Say), deveria atrair os capitalistas de volta ao mercado e reduzir o desemprego. Seguindo a Lei de Say (em termos muito simplificados: a oferta cria sua própria demanda), partiam da idéia de que a economia mundial voltaria a se equilibrar tão logo os governos deixassem de nela interferir.
O primeiro governo ocidental democrático a se inspirar em tais princípios foi o de Margaret Thatcher na Inglaterra, a partir de 1980 (no que foi precedida apenas por Pinochet, no Chile, na década anterior).
Persuadindo o Parlamento Britânico da eficácia dos ideais neoliberais, fez aprovar leis que revogavam muitos privilégios até então concedidos aos sindicatos, privatizou empresas estatais, além de estabilizar a moeda.
Tal foi o entusiasmo de Thatcher pelo discurso do neoliberalismo então em voga que seu governo acabou por criar uma tributação regressiva, também chamada de Poll Tax ou imposto comunitário.
A população britânica se opôs vigorosamente à implantação desse imposto, que acabou se tornando a principal razão da queda de Margaret Thatcher como Primeira-Ministra e sua substituição por John Major.
O governo conservador de Thatcher serviu de modelo para muitos dos governos neoliberais do período pós-anos 1980. inclusive para o "Reaganismo".
O professor James Tobin foi um forte crítico do "reaganismo" e do monetarismo, adotados no governo Reagan, prevendo corretamente que essas políticas: "redistribuiriam a riqueza, o poder e a oportunidade para os que já eram ricos e poderosos, e para seus herdeiros" [9].
Embora a literatura econômica tradicional parta da hipótese dogmática de que os mercados são sempre "eficientes" (exceto em alguns casos muito específicos), estudos mais recentes demonstram que o contrário é que é verdade: só em circunstâncias "excepcionais" os mercados são "eficientes". Stiglitz e Greenwald [17] demonstraram que "sempre que os mercados são incompletos e/ou a informação é imperfeita (o que ocorre em virtualmente todas as economias do mundo) a alocação, mesmo em mercado competitivos, não é necessariamente "Pareto-otimizada" [17]. Em outras palavras, o campo de atuação para as intervenções governamentais é muito mais amplo do que era aceito pelos que acreditavam que a intervenção governamental na economia só deveria ser utilizada em casos evidentes de "falhas dos mercados". Embora estas conclusões de Stiglitz e a extensão observada nas "falhas de mercado" não representem, nem de longe, a outorga de um "alvará" para que os governos "metam seu nariz" em tudo na economia, elas demonstram claramente que sempre existem esquemas possíveis de intervenção governamental que podem induzir a um resultado que provoque uma "eficiência de Pareto" superior à obtida pelo livre-mercado, o que beneficiaria a todos os membros de uma sociedade. [17]
A doutrina neoliberal
O neoliberalismo nada mais é que uma retomada, a partir dos anos 1970, do liberalismo clássico que havia sido deixado de lado no mundo e outras formas de intervencionismo econômico. Muitos dos defensores de tal doutrina rejeitam o termo neoliberal, e preferem simplesmente o termo liberal, pois pretendem seguir o liberalismo clássico. [6]
Analisando algumas falhas inerentes à atividade governamental, que em última instância, na opinião liberal, poderia conduzir os países a governos de tipo autocráticos, tal corrente de pensamento político defende a instituição de um sistema de governo em que o indivíduo tenha mais importância do que o Estado (minarquia), sob o argumento de que quanto menor a participação do Estado na economia, maior é o poder dos indivíduos e mais rapidamente a sociedade poderia se desenvolver e progredir, para o bem dos cidadãos. [6]
Tal concepção se caracteriza pela valorização da competição entre as pessoas, pela total liberdade a todos para venderem o que quer que produzam, num mercado o mais amplo possível; a sociedade é que decidiria o seu nível de consumo, ou quanto pouparia para a sua velhice; as famílias é que se preocupariam com sua própria saúde, escolhendo e pagando os seus próprios médicos ou os professores do seus filhos; a competição econômica, em escala mundial, (onde todos os países teriam idêntica liberdade de comércio), seriam elementos reguladores e promotores de eficiência global. [6]
Os opositores dos neoliberais questionam, principalmente, suas premissas, que consideram simplistas. Embora esses princípios sejam válidos quando uma transação envolve duas (e só duas) partes - cada um decidindo o que é melhor para si - não se sustenta quando, em virtude de uma transação havida entre duas partes, um terceiro, que dela não participou, é prejudicado (ou beneficiado). Esse fenomeno é chamado, em Economia, de externalidade.
Citam os neoliberais, por exemplo, o caso de um jovem que deveria contribuir, desde o início de sua carreira, para sua seguridade social. Segundo a doutrina liberal, a opção de decidir se poupa ou não para sua aposentadoria futura caberia ao próprio indivíduo.
Mais uma vez aqui, os neoliberais pecam, na criação de seus modelos teóricos, pela excesiva simplificação da realidade. Antes do jovem poder se decidir a contribuir para sua própria seguridade social, certas premissas lhe precisariam estar asseguradas. É preciso que esse jovem tenha a seu alcance, permanentemente, um emprego (com um salário que lhe permita não apenas sobreviver, como também poupar), o que muita vez é uma hipótese bem distante da realidade na maioria dos países subdesenvolvidos.
A doutrina neoliberal prega ainda o estímulo da economia por meio da criação de empresas privadas, apoiando também a redução da tributação sobre a renda, além da redução genérica da carga fiscal.
Essas teorias, que no fundo se originam na teoria das vantagens comparativas de David Ricardo já foram contestadas desde o século XIX por Friedrich List [18] , que defendia para seu país (Prússia) exatamente o oposto do que pregavam os liberais de então, alegando que tais políticas só seriam benéficas para nações já adiantadas, o que não era o caso da Prússia de meados do século XIX.
List achava que não caberia ao Estado assistir passivamente ao desenrolar do livre-comércio, sendo necessário que o poder público, em nome da promoção do desenvolvimento e do bem-estar de toda a nação, interferisse ativamente nos assuntos relacionados ao comércio exterior, à construção de uma infra-estrutura local de produção e ao fomento à industrialização. [18]
Atualmente os estudos empíricos ainda estão longe de confirmar que todos os países - especialmente os países sub-desenvolvidos - sejam beneficiados com um aumento no seu crescimento econômico na abertura ao comércio internacional, e os críticos dessa abertura se indagam sobre seus riscos e estudam medidas que possam ser tomadas para evitá-los [19]
Movimentos antineoliberalismo
Como contraponto ao ressurgimento do liberalismo, tanto em países ricos quanto em desenvolvimento, surgiram movimentos antiliberalismo, que por vezes se confundem com movimentos antiglobalização.
Na América Latina, a ascensão ao poder de políticos populares, rotulados por seus opositores de "populistas", tais como Néstor Kirchner (Argentina) e Evo Morales (Bolívia), e mais recentemente, Michelle Bachelet, (Chile), a volta de Daniel Ortega (Nicarágua), a vitória de Rafael Correa (Equador), a ampla vitória de Hugo Chávez (Venezuela), a reeleição de Lula ([Brasil) [20], com 61% dos votos [21], e até mesmo a vitória dos Partido Democrata democratas na Congresso dos EUA, que renovam o discurso nacional-desenvolvimentista de meados do século XX, agora readaptado para os dias atuais com a denominação de "novo desenvolvimentismo" [22], é vista por alguns analistas como sendo indicativa de um esgotamento do "modelo neoliberal" [23].
Néstor Kirchner na Argentina e Hugo Chávez na Venezuela fazem "tudo errado", dizem os neoliberais. Mas seus países continuam a crescer: a Argentina cresce a mais de 8% ao ano desde 2003 e a Venezuela tem crescido a mais de 10% a.a. desde que foi derrotado o golpe de estado contra Chávez, em abril de 2002. Crescimento do PIB Argentina 2003-07: 8,8%, 9,0%, 9,2,%, 8,5%, 7,4%; Venezuela 2004-07: 18,3%, 10,3%, 10,3%, 7%. [24]
Pesquisas de opinião pública recentes nos dão conta que, mesmo entre as "elites" latino-americanas, o entusiasmo pelo discurso neoliberal, iniciado com a queda do Muro de Berlim em 1989, começa a dar sinais de arrefecimento.
A Revista Newsweek promoveu uma pesquisa, realizada pelo Instituto Zogby International, com ajuda da Universidade de Miami que entrevistou 603 importantes políticos, empresários, funcionários de governo, intelectuais e jornalistas latino-americanos. Os entrevistados consideraram Michelle Bachelet o melhor modelo de liderança, com 28% dos votos, posição que foi imediatamente seguida por Lula, com 23%. Uma supreendente maioria de 53% dos entrevistados considerou que a América Latina está no bom caminho. Lula é vice no ranking de líderes, diz 'Newsweek' [25].
Governos neoliberais
O Chile foi o primeiro país do mundo a adotar o neoliberalismo. As privatizações no Chile de Pinochet foram anteriores às da Grã-Bretanha de Thatcher Em 1973, quando o golpe militar derrubou Allende, o governo já assumiu com um plano econômico debaixo do braço [26].
Esse documento era conhecido como "El ladrillo" e fora elaborado, secretamente, pelos economistas opositores do governo da Unidade Popular poucos meses antes do golpe de estado de 11 de setembro. O General Augusto Pinochet se baseou em "El ladrillo" e na estreita colaboração de economistas chilenos, principalmente os graduados na Universidade de Chicago, os chamados Chicago Boys, para levar adiante sua reforma da economia. [26] [27] [28] [29]
Os outros principais governos que adotaram as políticas neoliberais no mundo foram o de Margaret Thatcher (Inglaterra) e Ronald Reagan (EUA), políticas essas que ficaram conhecidas como thatcherismo" e "reaganismo". A política de Reagan, nos Estados Unidos, também ficou conhecida como Supply-side economics. [30]
Embora Thatcher tenha obtido um grande sucesso na estabilização da libra esterlina e tenha sido idolatrada por uma parcela significativa da população britânica, tornando-se até um ícone mundial dos defensores das políticas econômicas neoliberais, o custo social de seu governo foi imenso.
A produção industrial caiu, com o conseqüente incremento do desemprego, triplicado desde a sua subida ao poder. Proliferaram também as quebras de empresas e bancos.
Quando Thatcher foi derrotada, em 1990, 28% das crianças inglesas eram consideradas pobres - o pior desempenho dentre os países desenvolvidos - índice que continuou subindo (até atingir um pico de 30%, em 1994), no governo conservador de John Major, que lhe sucedeu. [31]
O governo Tony Blair (trabalhista) adotou, para corrigir essa distorção, a partir de 1997, medidas de inspiração keynesiana, tais como o restabelecimento de um salário mínimo, a criação de um programa pré-escolar para as crianças pequenas e aumento dos créditos fiscais (isenções) para a classe trabalhadora (uma medida de "transferência indireta de renda"). Estas medidas deram bons resultados para diminuir o problema.
A proporção de crianças britânicas que vivem na pobreza caiu - do pico de 30% em 1994 - para 11% no ano fiscal de 2005.[31]
Os partidos de oposição a Blair, e seus críticos, o acusam de estar sendo "assitencialista", de estar desequilibrando o orçamento e de estar aumentando a dependência da população no Estado.
O Brasil
O governo de Fernando Henrique Cardoso, no Brasil, (de 1994 a 2002), foi citado por alguns de seus opositores como tendo ideais neoliberais. Os liberais, por sua vez, refutam esta afirmação, pois tal governo, apesar de adotado a política das privatizações, por outro lado aumentou a carga tributária do país, tomou atitudes intervencionistas na economia, além de instituir programas de re-distribuição de renda de caráter social-democrata, entre outras medidas de clara inspiração keynesiana como, por exemplo, a quebra de patentes dos laboratórios farmacêuticos e a criação do "remédio genérico" e até algumas medidas desenvolvimentistas.
É importante ressaltar que essa tentativa de "rotular políticos" é uma atitude mal colocada na análise do tema neoliberalismo econômico. Nem mesmo Pinochet (com toda a amplitude de ação que lhe permitia sua ditadura) praticou exclusivamente ações de tipo neoliberal - adotou, com Büchi, algumas políticas de inspiração nitidamente keynesiana.
Embora seja possível dizer com segurança que um determinado economista, como, por exemplo, Milton Friedman, é um neoliberal, não se pode fazer o mesmo com a maioria dos políticos, uma vez que eles adotam, em seus governos, uma mistura de práticas indicadas por várias escolas de pensamento econômico, simultaneamente.
Resultados obtidos no mundo
A mais recente onda liberalizante, que ficou conhecida como "neoliberalismo", teve seu início com a queda do muro de Berlim em 1989 e contagiou rapidamente o mundo Foi promovida pelo FMI, por economistas liberais como Milton Friedman e pela Escola de Chicago, entre outros, sendo por eles apregoada como a solução que resolveria os problemas econômicos mundias, reduzindo a pobreza e acelerando o desenvolvimento global.[32]
Agora, já passados 28 anos que as "receitas neoliberais" vêm sendo aplicadas, em maior ou menor grau, por um grande número de países - entre os quais se inclui o Brasil - a ONU resolveu analisar os resultados obtidos por esses fortes ventos liberalizantes, e medir seus efeitos nas populações dos países onde as práticas neoliberais estão sendo adotadas.
Um livro denominado "Flat World, Big Gaps" [33] ("Um Mundo Plano, Grandes Disparidades" - tradução livre), foi editado por Jomo Sundaram, secretário-geral adjunto da ONU para o Desenvolvimento Econômico, e Jacques Baudot, economista especializado em temas de globalização, analisou essas questões e está despertando grande interesse. Nesse livro seus autores concluem que: "A 'globalização' e 'liberalização', como motores do crescimento econômico e o desenvolvimento dos países, não reduziram as desigualdades e a pobreza nas últimas décadas". [34]
A segunda parte do livro analisa as tendências das desigualdes econômicas que vêm ocorrendo em várias partes do mundo, inclusive na OECD, nos Estados Unidos, na América Latina, no Oriente Médio e norte da África, na África sub-saariana, Índia e China.
As políticas liberais adotadas não trouxeram ganhos significativos para a melhoria da distribuição de renda, pelo contrário: "A desigualdade na renda per capita aumentou em vários países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) durante essas duas décadas, o que sugere que a desregulação dos mercados teve como resultado uma maior concentração do poder econômico." [34]
Supreendentemente, a liberalização do fluxo de capitais financeiros internacionais, que era apontada como uma maneira segura de fazer os capitais jorrarem dos países ricos para irem irrigar as economias dos países pobres, deles sedentos, funcionou exatamente ao contrário.
O fluxo de dinheiro inverteu-se, e os capitais fugiram dos países mais pobres, indo para os mais ricos: "Houve uma tremenda liberalização financeira e se pensava que o fluxo de capital iria dos países ricos aos pobres, mas ocorreu o contrário", anotou Sundaram. "Como exemplo, citou que os EUA recebem investimentos dos países em desenvolvimento, concretamente nos bônus e obrigações do Tesouro, e em outros setores". [34]
No Brasil, por exemplo, recentemente (2006), a Companhia Vale do Rio Doce decidiu investir 18 bilhões de dólares no Canadá, onde adquiriu a Inco [35]. Em fevereiro de 2007 a Vale comprou a mineradora de carvão australiana AMCI Holdings, por 835 milhões de dólares australianos (1,38 bilhão de reais) [36], demostrando assim, mais uma vez, como o fluxo de capitais está indo dos países pobres para os países mais ricos e não ao contrário, como se anunciara.
Cumpre ressaltar que essa "liberalização" de fluxos financeiros é muito assimétrica. Os países que mais defendem a liberalização total dos fluxos de capitais não a praticam dentro de suas fronteiras. Os Estados Unidos, com seu forte discurso liberalizante criou, por exemplo, a "Community Reinvestment Act" (Lei do Reinvestimento Comunitário) que obriga seus bancos a reaplicar localmente parte do dinheiro que captam na comunidade. A Alemanha resistiu a todas as pressões para "internacionalizar" seus capitais; hoje 60% da poupança da população alemã está em caixas municipais, que financiam pequenas empresas, escolas e hospitais. A França criou um movimento chamado de "Operações Financeiras Éticas". A apregoada liberdade irrestrita para os fluxos de capitais parece ter sido adotada só pelos países sub-desenvolvidos, que se vêem freqüentemente submetidos a graves crises causadas por sua vulnerabilidade às violentas movimentações especulativas mundiais. [37]
Essa diferença entre o discurso liberalizante dos países desenvolvidos e suas ações práticas foi reconhecida até por Johan Norberg [38] , o jornalista suéco autor do "best-seller" In Defense of Global Capitalism que "atira coqueteis Molotov retóricos nas potências ocidentais cujo discurso em prol dos livre-mercados é grandemente prejudicado por suas tarifas draconianas sobre a importação de produtos têxteis e agrícolas, as duas áreas onde os países sub-desenvolvidos teriam condições de competir". Le Monde, 12/2/2004.
De maneira geral "a repartição da riqueza mundial piorou e os índices de pobreza se mantiveram sem mudanças entre 1980 e 2000" [34], como já previra Tobin em 1981.
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Ver também
- DEÁK, Csaba. Verbetes de economia política e urbanismo. Grupo de Disciplinas de Planejamento. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, USP.
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